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LITERATURA INGLESA
Inteligência de Eliot transborda em "Middlemarch"
lançadas noBrasil
MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas
É com mais de um século de
atraso que chega ao Brasil a tradução de "Middlemarch", o primeiro grande romance realista da literatura inglesa vitoriana, escrito
entre 1871-72 por George Eliot
(pseudônimo de Mary Ann
Evans), a mais intelectualmente
ambiciosa das escritoras inglesas.
Eliot (1819-1880, que inventou
esse pseudônimo em homenagem
ao marido e jornalista literário
George Henry Lewes) não estava
sozinha na tradicional linhagem
de grandes escritoras que a Inglaterra gerou. Antes dela vinha Jane
Austen (1775-1817). Foi contemporânea das irmãs Emily e Charlotte Brontë. Dois anos depois de
sua morte, nasceria Virginia
Woolf (1882-1941), uma sua admiradora declarada.
"Middlemarch" é o nome de
uma cidade fictícia do interior da
Inglaterra, no início do século 19.
Romance de enredo múltiplo,
suas 800 páginas montam um quadro detalhado da vida rural inglesa
e uma análise penetrante dos relacionamentos humanos em geral,
especialmente das relações amorosas e do casamento.
Os dois enredos principais de
"Middlemarch" têm como núcleo
os casais Dorothea e Casaubon,
Dorothea e Will Ladislaw, Rosamond e Lydgate. Dorothea, mulher excepcionalmente independente e politizada para sua época,
dedicada às causas da inteligência,
da ciência e do amor ao próximo,
casa-se com Casaubon, homem
erudito e quase 30 anos mais velho.
Desse casamento -que parecia
significar para a protagonista o
encontro com as verdades da vida
e a satisfação de toda a sua sede
intelectual-, ela sai decepcionada
e amargurada com a frieza e a
mesquinhez do companheiro.
Ainda casada, conhece o apaixonado Ladislaw, a quem se entrega
depois da morte de Casaubon.
Mas nada desse resumo rápido
de parte da história faz sentido
sem as intervenções da autora, os
comentários cheios de idéias inteligentes, pensamentos revolucionários e lições morais sobre a vida
que constituem o estilo de George
Eliot.
Há quem ache excessivas ou
muito parciais as interferências de
Eliot -mal disfarçadas na voz do
narrador- na tessitura da narrativa romanesca. Mas essa crítica
cai por terra quando considerada
sob o ponto de vista de que os comentários de autor, no seu caso,
funcionam como verdadeiros elos
narrativos.
Sua obra, norteada pelo princípio ordenador do personagem, é
prolífera na criação de heroínas femininas, o que lhe atribui uma atmosfera de "feminismo" precoce.
Mas o forte de George Eliot era
sua simpatia pelos personagens
secundários -como Mary Garth
em "Middlemarch", por exemplo-, pelas pessoas simples,
feias, pobres.
Provinciano
A elaborada teia de relacionamentos e a análise moral da vida
provinciana inglesa é tema e tom
de sua obra como um todo e também aparece no romance "Daniel
Deronda" (outro lançamento recente no Brasil), em que a relação
entre Gwendolen e Grandcourt e
entre Deronda e Mirah, são, de
certo modo, variações do par Dorothea/Casaubon.
A luta das heroínas de George
Eliot, conforme diria mais tarde
Virginia Woolf, "a não ser por
conta da suprema coragem do empreendimento a que se dedicavam, (...) termina em tragédia (...)
ou num compromisso que é ainda
mais melancólico". Tudo porque,
também em palavras de Woolf, o
fardo e a complexidade da condição feminina não lhes era suficiente -Eliot, como suas protagonistas, sempre quis ir além desse santuário e "colher para si mesma os
estranhos frutos da arte e do conhecimento".
Louváveis todas as iniciativas de
publicar George Eliot no Brasil,
parabéns aos tradutores pela empreitada diante de obras tão extensas. Ainda que paire a dúvida sobre se a manutenção do título
"Middlemarch" é suficiente para
despertar interesse no desacostumado leitor brasileiro.
Livro: Middlemarch
Autora: George Eliot
Lançamento: Record
Quanto: R$ 50 (882 págs.)
Livro: Daniel Deronda
Autor: George Eliot
Lançamento: Paz e Terra
Quanto: R$ 38 (696 págs.)
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