São Paulo, sábado, 16 de maio de 1998

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LITERATURA INGLESA
Inteligência de Eliot transborda em "Middlemarch"

lançadas noBrasil MARILENE FELINTO
da Equipe de Articulistas

É com mais de um século de atraso que chega ao Brasil a tradução de "Middlemarch", o primeiro grande romance realista da literatura inglesa vitoriana, escrito entre 1871-72 por George Eliot (pseudônimo de Mary Ann Evans), a mais intelectualmente ambiciosa das escritoras inglesas.
Eliot (1819-1880, que inventou esse pseudônimo em homenagem ao marido e jornalista literário George Henry Lewes) não estava sozinha na tradicional linhagem de grandes escritoras que a Inglaterra gerou. Antes dela vinha Jane Austen (1775-1817). Foi contemporânea das irmãs Emily e Charlotte Brontë. Dois anos depois de sua morte, nasceria Virginia Woolf (1882-1941), uma sua admiradora declarada.
"Middlemarch" é o nome de uma cidade fictícia do interior da Inglaterra, no início do século 19. Romance de enredo múltiplo, suas 800 páginas montam um quadro detalhado da vida rural inglesa e uma análise penetrante dos relacionamentos humanos em geral, especialmente das relações amorosas e do casamento.
Os dois enredos principais de "Middlemarch" têm como núcleo os casais Dorothea e Casaubon, Dorothea e Will Ladislaw, Rosamond e Lydgate. Dorothea, mulher excepcionalmente independente e politizada para sua época, dedicada às causas da inteligência, da ciência e do amor ao próximo, casa-se com Casaubon, homem erudito e quase 30 anos mais velho.
Desse casamento -que parecia significar para a protagonista o encontro com as verdades da vida e a satisfação de toda a sua sede intelectual-, ela sai decepcionada e amargurada com a frieza e a mesquinhez do companheiro. Ainda casada, conhece o apaixonado Ladislaw, a quem se entrega depois da morte de Casaubon.
Mas nada desse resumo rápido de parte da história faz sentido sem as intervenções da autora, os comentários cheios de idéias inteligentes, pensamentos revolucionários e lições morais sobre a vida que constituem o estilo de George Eliot.
Há quem ache excessivas ou muito parciais as interferências de Eliot -mal disfarçadas na voz do narrador- na tessitura da narrativa romanesca. Mas essa crítica cai por terra quando considerada sob o ponto de vista de que os comentários de autor, no seu caso, funcionam como verdadeiros elos narrativos.
Sua obra, norteada pelo princípio ordenador do personagem, é prolífera na criação de heroínas femininas, o que lhe atribui uma atmosfera de "feminismo" precoce.
Mas o forte de George Eliot era sua simpatia pelos personagens secundários -como Mary Garth em "Middlemarch", por exemplo-, pelas pessoas simples, feias, pobres.
Provinciano
A elaborada teia de relacionamentos e a análise moral da vida provinciana inglesa é tema e tom de sua obra como um todo e também aparece no romance "Daniel Deronda" (outro lançamento recente no Brasil), em que a relação entre Gwendolen e Grandcourt e entre Deronda e Mirah, são, de certo modo, variações do par Dorothea/Casaubon.
A luta das heroínas de George Eliot, conforme diria mais tarde Virginia Woolf, "a não ser por conta da suprema coragem do empreendimento a que se dedicavam, (...) termina em tragédia (...) ou num compromisso que é ainda mais melancólico". Tudo porque, também em palavras de Woolf, o fardo e a complexidade da condição feminina não lhes era suficiente -Eliot, como suas protagonistas, sempre quis ir além desse santuário e "colher para si mesma os estranhos frutos da arte e do conhecimento".
Louváveis todas as iniciativas de publicar George Eliot no Brasil, parabéns aos tradutores pela empreitada diante de obras tão extensas. Ainda que paire a dúvida sobre se a manutenção do título "Middlemarch" é suficiente para despertar interesse no desacostumado leitor brasileiro.

Livro: Middlemarch Autora: George Eliot Lançamento: Record Quanto: R$ 50 (882 págs.) Livro: Daniel Deronda Autor: George Eliot Lançamento: Paz e Terra Quanto: R$ 38 (696 págs.)


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