São Paulo, sábado, 16 de maio de 1998

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CANNES 98
A bela vida de Benigni


"La Vita È Bella", protagonizado e dirigido pelo italiano Roberto Benigni, usa o cômico e o trágico para se aproximar dos excessos nazistas na Segunda Guerra; filme será exibido amanhã festival francês


GIANCARLO SUMMA,
especial para a Folha, de Roma


Um filme cômico, e ao mesmo tempo profundo, sobre a perseguição aos judeus e os campos de concentração nazistas. Foi esse o desafio, artístico e politicamente ousado, que o ator e diretor italiano Roberto Benigni decidiu enfrentar.
O resultado foi "La Vita È Bella" (A Vida É Bela), filme que se tornou grande sucesso de bilheteria na Itália e que será exibido amanhã no 51º Festival Internacional de Cinema de Cannes.
No começo, o filme é uma história de amor. O protagonista é um judeu italiano, Guido Orefici (Benigni). Em 1938, ele chega a uma cidade da Toscana -a região do ator- para abrir uma livraria.
Ali conhece Dora, uma moça da boa sociedade local, namorada de um dirigente do partido fascista (a atriz é Nicoletta Braschi, mulher de Benigni na vida real). Os dois se apaixonam, e Guido chega a "raptá-la" na noite do noivado.
O estilo muda na segunda parte. Passaram-se seis anos. Guido e Dora tiveram um menino, Giosué, enquanto a Europa mergulhava na Segunda Guerra e começava a perseguição contra os judeus.
Em 1944, Guido e Giosué são presos pelos nazistas e arrastados até o trem que vai levá-los ao campo de concentração. Dora, que não é judia, decide ir junto.
No campo, Guido tenta preservar o menino da violência. A solução encontrada é fingir que tudo não passa de um jogo, e que respeitando as regras do campo será possível ganhar o "primeiro prêmio": um tanque de verdade.
Esqueçam "A Lista de Schindler", de Spielberg, ou "A Trégua", do italiano Francesco Rosi. "La Vita È Bella" não tem nenhuma pretensão de realismo documentativo. "Não quis descrever com precisão os campos de concentração ou a Itália dos anos 40", explicou Benigni.
"Meu filme é apenas uma fábula amarga. O protagonista é um italiano como outro qualquer, que só descobre ser judeu quando começam as persecuções raciais. Isso torna a história ainda mais atroz." A escolha de usar dois registros diferentes -comédia e tragédia- serve para sublinhar o elemento de casualidade na sorte de milhões de vítimas do Holocausto. "É uma espécie de citação do Eclesiaste: um tempo para rir, outro para chorar", disse Benigni. "Eu quis contar uma historia de coragem e de amor. Não é uma análise histórica: fascismo e nazismo são descritos como monstros negros e informes."
O público e a maior parte da crítica adoraram. O filme, que custou US$ 5,5 milhões, já rendeu mais de US$ 28 milhões e teve resenhas elogiosas nos principais jornais italianos.
O êxito comercial foi tamanho que, caso raro para um filme italiano, a distribuidora norte-americana Miramax comprou os direitos mundiais e vai lançar o filme em vários países. Para o mercado dos EUA, Benigni aceitou alterar a montagem de algumas cenas.
A comunidade judia italiana também aprovou. Benigni não é judeu ("como dizia Chaplin, é uma honra que não tenho", declarou certa vez), mas a estréia do filme, em dezembro passado, foi organizada pelo Centro de Documentação Hebraica Contemporânea (Cdec), que ajudou nas pesquisas históricas e na produção.
Alguns sobreviventes dos campos de concentração participaram das filmagens, corrigindo detalhes e sugerindo mudanças no roteiro escrito por Vincenzo Cerami.
No fim da projeção de estréia, o rabino Elio Toaff, figura carismática da comunidade em Roma, levantou e foi abraçar Benigni.
Houve algumas reações desfavoráveis a "La Vita È Bella", quase todas ligadas à reconstrução da vida no campo de concentração.
Jaques Mandelbaum, crítico do jornal francês "Le Monde", por exemplo, chegou a escrever que o filme de Benigni é "a primeira comédia negacionista da história do cinema". Na Europa, foi definido como "negacionismo" a posição de alguns historiadores, os chamados revisionistas, que negam ou minimizam a realidade do Holocausto.



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