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Quinzena dos Realizadores faz 30 anos
AMIR LABAKI
enviado especial a Cannes
Cannes-98 celebra 30 anos da
Quinzena dos Realizadores. A
principal mostra paralela do evento é o grande legado de maio de
1968 para a história do festival. A
sessão de abertura movimentou a
noite de anteontem.
Foi mais uma prova de que não
há nada mais distante do espírito
libertário de 1968 do que o atual
festival. Há três décadas, um grupo de cineastas liderado por
Jean-Luc Godard, Claude Lelouch, Louis Malle, Roman Polanski e François Truffaut interrompeu o festival, exigindo maior
sintonia com a ebulição do país.
O breve interregno pouco atrasou a inexorável marcha industrializante. Uma brecha, contudo,
restou aberta. Um mês depois da
pausa meia-oitista, cineastas franceses criaram uma associação independente de classe. A entidade
logo desafiou o festival, reivindicando a mudança de regras de seleção, então feita segundo indicação de títulos por produtores.
A recusa de Cannes fez nascer
uma janela própria para o cinema
de autor: a Quinzena dos Realizadores, inimiga de premiações e totalmente independente do evento
principal. Jean-Gabriel Albicocco,
distribuidor e cineasta radicado
no Brasil, foi o grande pai da idéia.
Coube porém ao então jovem
candidato a cineasta Pierre-Henri
Deleau dirigir a nova mostra. Deleau mantém-se até hoje no cargo
e anuncia para 2001 uma provável
aposentadoria. "É preciso ceder a
vez para a nova geração."
Nesses 30 anos, a Quinzena ousou apostar em jovens cineastas.
Foi a porta de entrada em Cannes
de cineastas como Angelopoulos,
Fassbinder, Herzog, Jarmusch,
Spike Lee e Scorsese.
O sucesso foi tamanho que o
concorrente piscou. Sob a direção
de Gilles Jacob, no posto desde
1978, Cannes criou um prêmio específico para estreantes (a Câmera
de Ouro) e estabeleceu uma segunda mostra oficial, batizada de
Um Certo Olhar.
A disputa por títulos se acirrou
e, reconheça-se, a Quinzena viu
seu cardápio enfraquecer.
Abertura
A concorrência marcou até o filme que abriu na noite de anteontem a Quinzena-98. Jacob demorou, e Deleau arrebatou-lhe "La
Parola Amore Esiste" (A Palavra
Amor Existe), de Mimmo Calopresti. Resultado: enquanto ninguém consegue explicar a escolha
de "Segredos do Poder" para a
abertura do festival, o filme de Calopresti garantiu à Quinzena seu
mais forte início recente.
"La Parola" é um suave drama
intimista sobre a busca de um
amor por uma bela jovem que sofre de uma desordem psicológica
compulsivo-obsessiva. Angela
(Valeria Bruni Tedeschi) é uma espécie de versão feminina do Melvin criado por Jack Nicholson em
"Melhor É Impossível".
Enquanto pula de analista em
analista, Angela sonha com o
grande amor, que pensa ter descoberto num pacato professor de
violoncelo. Sem coragem de se revelar, ela metralha-o com poemas
românticos japoneses.
Discípulo de Nanni Moretti, Calopresti muda com segurança do
registro politizado de seu filme de
estréia ("La Seconda Volta").
Aposta nos subtons, dá tempo aos
personagens, cativa-nos para o
drama que conta. É das raras descobertas verdadeiras do pálido cinema italiano destes anos 90.
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