São Paulo, sábado, 16 de maio de 1998

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Quinzena dos Realizadores faz 30 anos

AMIR LABAKI
enviado especial a Cannes

Cannes-98 celebra 30 anos da Quinzena dos Realizadores. A principal mostra paralela do evento é o grande legado de maio de 1968 para a história do festival. A sessão de abertura movimentou a noite de anteontem.
Foi mais uma prova de que não há nada mais distante do espírito libertário de 1968 do que o atual festival. Há três décadas, um grupo de cineastas liderado por Jean-Luc Godard, Claude Lelouch, Louis Malle, Roman Polanski e François Truffaut interrompeu o festival, exigindo maior sintonia com a ebulição do país.
O breve interregno pouco atrasou a inexorável marcha industrializante. Uma brecha, contudo, restou aberta. Um mês depois da pausa meia-oitista, cineastas franceses criaram uma associação independente de classe. A entidade logo desafiou o festival, reivindicando a mudança de regras de seleção, então feita segundo indicação de títulos por produtores.
A recusa de Cannes fez nascer uma janela própria para o cinema de autor: a Quinzena dos Realizadores, inimiga de premiações e totalmente independente do evento principal. Jean-Gabriel Albicocco, distribuidor e cineasta radicado no Brasil, foi o grande pai da idéia.
Coube porém ao então jovem candidato a cineasta Pierre-Henri Deleau dirigir a nova mostra. Deleau mantém-se até hoje no cargo e anuncia para 2001 uma provável aposentadoria. "É preciso ceder a vez para a nova geração."
Nesses 30 anos, a Quinzena ousou apostar em jovens cineastas. Foi a porta de entrada em Cannes de cineastas como Angelopoulos, Fassbinder, Herzog, Jarmusch, Spike Lee e Scorsese.
O sucesso foi tamanho que o concorrente piscou. Sob a direção de Gilles Jacob, no posto desde 1978, Cannes criou um prêmio específico para estreantes (a Câmera de Ouro) e estabeleceu uma segunda mostra oficial, batizada de Um Certo Olhar.
A disputa por títulos se acirrou e, reconheça-se, a Quinzena viu seu cardápio enfraquecer.
Abertura

A concorrência marcou até o filme que abriu na noite de anteontem a Quinzena-98. Jacob demorou, e Deleau arrebatou-lhe "La Parola Amore Esiste" (A Palavra Amor Existe), de Mimmo Calopresti. Resultado: enquanto ninguém consegue explicar a escolha de "Segredos do Poder" para a abertura do festival, o filme de Calopresti garantiu à Quinzena seu mais forte início recente.
"La Parola" é um suave drama intimista sobre a busca de um amor por uma bela jovem que sofre de uma desordem psicológica compulsivo-obsessiva. Angela (Valeria Bruni Tedeschi) é uma espécie de versão feminina do Melvin criado por Jack Nicholson em "Melhor É Impossível".
Enquanto pula de analista em analista, Angela sonha com o grande amor, que pensa ter descoberto num pacato professor de violoncelo. Sem coragem de se revelar, ela metralha-o com poemas românticos japoneses.
Discípulo de Nanni Moretti, Calopresti muda com segurança do registro politizado de seu filme de estréia ("La Seconda Volta"). Aposta nos subtons, dá tempo aos personagens, cativa-nos para o drama que conta. É das raras descobertas verdadeiras do pálido cinema italiano destes anos 90.



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