São Paulo, sábado, 16 de junho de 2001

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"EU E OUTRAS POESIAS"

Augusto dos Anjos, o poeta da vida

REYNALDO JARDIM
ESPECIAL PARA A FOLHA

A 43ª edição de "Eu e Outras Poesias", de Augusto dos Anjos, revista e ampliada, é de um primor gráfico rigoroso e belo. É a melhor de quantas se editarem, trazendo textos de Antonio Houaiss, Orris Soares, Otto Maria Carpeaux, Francisco Assis Barbosa. Faltou o texto de Ferreira Gullar, que organizou uma das edições.
Há ainda uma cronologia histórica e reprodução de capas anteriores. Só não encontro o nome da pessoa responsável pela organização da obra.
Nenhum outro poeta brasileiro revelou em seus escritos mais visceral amor à vida e a certeza de que a morte é o antônimo de nascimento e não de vida, que inclui os dois pólos da existência em seu transcurso.
Chamar Augusto dos Anjos de "poeta da morte" tem sido uma blasfêmia resultante de leitores pouco atentos ao sentido vital que informa a poemática desse autor singular, que não deixou herdeiros na história de nossa literatura.

Linguagem
Solitário porque não encontramos pares em seu passado, no curso de sua vida e em sua posteridade. Augusto dos Anjos começa e só não acaba em Augusto do Anjos porque, apesar da complexidade de conceitos e linguagem nada populares, conquistou uma platéia que abarca gente simples de parcas letras até eruditos de alta linhagem.
O curioso é que o leitor sem maiores luzes se deleita com o vocabulário encantatório cientificista, objeto de rejeição dos mais letrados.
A tragicidade de Augusto dos Anjos não é mórbida, ele não se compraz com a degradação, apenas vai buscar no âmago da matéria a permanência de vida.
No corpo em decomposição, encontra todo um universo em transmutação permanente. A vida se multiplica e prolifera em outras formas de fantástica vitalidade.

Egos da humanidade
O "eu" que intitula sua obra não é autobiográfico, nem ególatra. É um eu que extrapola o limite epidérmico e abarca, de maneira vertical e cósmica, todos os egos da humanidade, estabelecendo uma comunhão espiritual com quem o lê. Se não é o único, será, certamente, fator decisivo de um sucesso que o tempo não deseja esgotar.
Os conceitos existencialistas não são suficientes para enquadrar a obra em questão em seus limites. Essência e existência aparecem sem precedência de um fenômeno sobre o outro. Existiram desde sempre em uma sincronicidade integrada, não dicotômica, na cadeia evolutiva das espécies, humanas ou não. É o que se infere da leitura dos poemas.
Seria um elucidativo serviço se a próxima edição contivesse um glossário dos termos científicos que dificilmente o leitor conhece o significado.
Se o risco é desvendar a palavra de sua sonoridade encantatória, o benefício seria o valor didático enriquecendo nosso entendimento, pois deveria mostrar o significado do termo dentro de contexto poemático.


Reynaldo Jardim é poeta, jornalista e fundador do jornal "Sol" nos anos 60



Eu e Outras Poesias
    
Autor: Augusto dos Anjos
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 35 (294 págs.)




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