São Paulo, sábado, 16 de junho de 2001

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ARTES PLÁSTICAS

DEBATE

Antonio Dias e Jean-Michel Othoniel dizem que mídias eletrônicas devem ser usadas em nome da expressão, e não pela novidade

Artistas discutem impasse digital

RODRIGO MOURA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A busca incessante por novos suportes tem sido uma das constantes da arte contemporânea -desde a consolidação do objeto, da performance e da instalação, nos anos 60, até o surto da videoarte, nos anos 70 e 80.
Nos recém-findados 90, a multimídia e a arte eletrônica surgiram pelas mãos da tecnologia e radicalizaram esse quadro ao propor formas de ampliar o alcance das obras. A Folha reuniu dois artistas de gerações e nacionalidades diferentes para avaliar as possibilidades dessas mídias hoje.
O paraibano Antonio Dias, 57, acaba de lançar um CD-ROM, sem título, que acompanha sua mostra retrospectiva "O País Inventado", que vai até 15 de julho no Museu de Arte Moderna do Rio. "Não tem nada de documental", decreta Dias sobre o novo produto, que considera uma "obra em si". O artista foi um dos pioneiros das novas mídias no Brasil, usando filmes, instalações e objetos em seu trabalho, cuja origem e destino é a pintura.
O francês Jean-Michel Othoniel, 37, participa da coletiva "Ficção", que inaugurou o novo espaço expositivo de 900 m2 do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio e fica em cartaz até 29 de julho. Na mostra, parte da coleção do banco francês Caisse des Dépôts, apresenta um CD-ROM, "A Shadow in Your Window", com mil fotos, 110 filmes e 1.500 textos.
Os dois artistas se encontraram no CCBB do Rio semana passada e afirmaram a emergência da arte baseada na eletrônica, batendo apenas em uma ressalva em comum: novas mídias, sim, mas não apenas pela novidade -o que, segundo eles, tem sido a regra.
Leia abaixo os principais trechos da conversa.

Folha - Como vocês enxergam a emergência, nos últimos dez anos, dos novos suportes eletrônicos?
Jean-Michel Othoniel -
Meu trabalho sobre CD-ROM é um trabalho único em minha obra. Houve um momento em que escolhi essa mídia porque ela era muito maleável. E o que me interessava era usar isso como matéria, mas sem mais ou menos fascinação do que eu teria por outra matéria qualquer. Não quero ser um artista que usa a multimídia ou a tecnologia por si. No começo dos anos 90, achávamos que o CD-ROM seria a revolução, e pensei em aproveitar essa energia para distribuir uma obra de arte em grande escala. Isso se revelou uma utopia: tocar o máximo de pessoas, gente que não conhece nada de arte contemporânea. Essa utopia, como todas, afundou.

Antonio Dias - Acabei de lançar um CD-ROM, que não tem nada de documental: optei por uma estrutura randômica. Minha obra sempre se interessou por esse aspecto do objeto, de sair do quadro. Mas, por outro lado, não sou muito ligado às novas mídias só por elas. Interessam, em determinado momento, quando, como na instalação "KasaKosovoKasa", quero fazer a reprodução de uma pele. Então uso um sistema digital de imagem. Ou no caso das instalações que, no início dos anos 70, eram feitas com projeções de super-8. Hoje, por questões de facilidade expositiva, foi tudo digitalizado. Para mim, novas mídias, sim. Mas me interessam tanto quanto a pintura, o objeto...

Folha - Como se dá a passagem entre mídias na obra de vocês?
Othoniel -
Fiz uma escola de arte muito conceitual. A forma sempre dependeu do sentido. Depois entrei numa galeria e comecei a sofrer a pressão do mercado, que queria objetos, esculturas. Durante dois anos, então, depois da Documenta de Kassel de 1992, os colecionadores só queriam esses trabalhos. Era terrível, a liberdade de mudar havia sido perdida. Tive então que trabalhar para reconquistar essa liberdade. A lição foi forte e agora tento me colocar a forma que corresponda ao que quero dizer, como este CD-ROM, e não aos desejos do mercado.

Dias - Nem sei me explicar muito bem porque nunca deixei de fazer pintura. É uma questão que me interessa muito: o quadro como objeto, não como janela, mas com uma espessura. Esse problema nunca saiu da minha cabeça, eu praticamente transporto isso quando utilizo outras mídias. Mas não há uma predileção pela pintura. Inclusive porque tenho com ela a mesma isenção que tenho com outras mídias. Servem como veículo do que quero dizer.
A tecnologia em si às vezes fica velha tão cedo que a coisa fica descartada. Internacionalmente há uma grande agitação em volta das mídias eletrônicas, mas não quer dizer que essa seja a grande tendência daqui para a frente. É uma coisa muito nova. Há ensaios, alguns mais geniais, mas a maioria é uma tentativa de usar a mídia em si. Uma coisa que não tem mostrado muita profundidade.

Folha - O que acham de as mídias eletrônicas serem às vezes tidas pelo público como frias?
Othoniel -
Depende. Certas instalações, ao contrário, usam o lado espetacular da multimídia, com muitos efeitos que podem levar a um estado de transe...

Dias - Como todo meio, o eletrônico permite qualquer "approach". Na verdade, você pode ser extremamente dramático, e essa pode ser uma corrente, mas há outras mais conceituais. Daí para criar uma genialidade de pensamento, bom, é tão difícil quanto em qualquer área.

Folha - Estamos aqui diante de uma grande coleção de fotos. Qual é, na visão de vocês, o papel da fotografia na arte contemporânea?
Othoniel -
A fotografia deve ser esquecida muito rapidamente. Há artistas demais que a utilizam. Ela é usada como uma forma fácil de resposta ao mercado. Com uma idéia, o artista faz 50 obras. É como a pintura abstrata nos anos 60. Todos os consultórios de médicos tinham uma pintura abstrata e hoje têm uma fotografia de arte contemporânea. E o que resta da pintura abstrata? Três ou quatro bons pintores.

Dias - Isso pode ser visto na arte internacional há já pelo menos dez, 20 anos. Hoje chegamos a uma enorme diluição.


O jornalista Rodrigo Moura viajou a convite do Centro Cultural do Banco do Brasil


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