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ARTES PLÁSTICAS
DEBATE
Antonio Dias e Jean-Michel Othoniel dizem que mídias eletrônicas devem ser usadas em nome da expressão, e não pela novidade
Artistas discutem impasse digital
RODRIGO MOURA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
A busca incessante por novos
suportes tem sido uma das constantes da arte contemporânea
-desde a consolidação do objeto, da performance e da instalação, nos anos 60, até o surto da videoarte, nos anos 70 e 80.
Nos recém-findados 90, a multimídia e a arte eletrônica surgiram
pelas mãos da tecnologia e radicalizaram esse quadro ao propor
formas de ampliar o alcance das
obras. A Folha reuniu dois artistas de gerações e nacionalidades
diferentes para avaliar as possibilidades dessas mídias hoje.
O paraibano Antonio Dias, 57,
acaba de lançar um CD-ROM,
sem título, que acompanha sua
mostra retrospectiva "O País Inventado", que vai até 15 de julho
no Museu de Arte Moderna do
Rio. "Não tem nada de documental", decreta Dias sobre o novo
produto, que considera uma
"obra em si". O artista foi um dos
pioneiros das novas mídias no
Brasil, usando filmes, instalações
e objetos em seu trabalho, cuja
origem e destino é a pintura.
O francês Jean-Michel Othoniel,
37, participa da coletiva "Ficção",
que inaugurou o novo espaço expositivo de 900 m2 do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio e fica
em cartaz até 29 de julho. Na mostra, parte da coleção do banco
francês Caisse des Dépôts, apresenta um CD-ROM, "A Shadow
in Your Window", com mil fotos,
110 filmes e 1.500 textos.
Os dois artistas se encontraram
no CCBB do Rio semana passada
e afirmaram a emergência da arte
baseada na eletrônica, batendo
apenas em uma ressalva em comum: novas mídias, sim, mas não
apenas pela novidade -o que, segundo eles, tem sido a regra.
Leia abaixo os principais trechos da conversa.
Folha - Como vocês enxergam a
emergência, nos últimos dez anos,
dos novos suportes eletrônicos?
Jean-Michel Othoniel - Meu trabalho sobre CD-ROM é um trabalho único em minha obra. Houve
um momento em que escolhi essa
mídia porque ela era muito maleável. E o que me interessava era
usar isso como matéria, mas sem
mais ou menos fascinação do que
eu teria por outra matéria qualquer. Não quero ser um artista
que usa a multimídia ou a tecnologia por si. No começo dos anos
90, achávamos que o CD-ROM
seria a revolução, e pensei em
aproveitar essa energia para distribuir uma obra de arte em grande escala. Isso se revelou uma utopia: tocar o máximo de pessoas,
gente que não conhece nada de
arte contemporânea. Essa utopia,
como todas, afundou.
Antonio Dias - Acabei de lançar
um CD-ROM, que não tem nada
de documental: optei por uma estrutura randômica. Minha obra
sempre se interessou por esse aspecto do objeto, de sair do quadro. Mas, por outro lado, não sou
muito ligado às novas mídias só
por elas. Interessam, em determinado momento, quando, como
na instalação "KasaKosovoKasa",
quero fazer a reprodução de uma
pele. Então uso um sistema digital
de imagem. Ou no caso das instalações que, no início dos anos 70,
eram feitas com projeções de super-8. Hoje, por questões de facilidade expositiva, foi tudo digitalizado. Para mim, novas mídias,
sim. Mas me interessam tanto
quanto a pintura, o objeto...
Folha - Como se dá a passagem
entre mídias na obra de vocês?
Othoniel - Fiz uma escola de arte
muito conceitual. A forma sempre dependeu do sentido. Depois
entrei numa galeria e comecei a
sofrer a pressão do mercado, que
queria objetos, esculturas. Durante dois anos, então, depois da Documenta de Kassel de 1992, os colecionadores só queriam esses
trabalhos. Era terrível, a liberdade
de mudar havia sido perdida. Tive
então que trabalhar para reconquistar essa liberdade. A lição foi
forte e agora tento me colocar a
forma que corresponda ao que
quero dizer, como este CD-ROM,
e não aos desejos do mercado.
Dias - Nem sei me explicar muito
bem porque nunca deixei de fazer
pintura. É uma questão que me
interessa muito: o quadro como
objeto, não como janela, mas com
uma espessura. Esse problema
nunca saiu da minha cabeça, eu
praticamente transporto isso
quando utilizo outras mídias.
Mas não há uma predileção pela
pintura. Inclusive porque tenho
com ela a mesma isenção que tenho com outras mídias. Servem
como veículo do que quero dizer.
A tecnologia em si às vezes fica
velha tão cedo que a coisa fica descartada. Internacionalmente há
uma grande agitação em volta das
mídias eletrônicas, mas não quer
dizer que essa seja a grande tendência daqui para a frente. É uma
coisa muito nova. Há ensaios, alguns mais geniais, mas a maioria
é uma tentativa de usar a mídia
em si. Uma coisa que não tem
mostrado muita profundidade.
Folha - O que acham de as mídias
eletrônicas serem às vezes tidas
pelo público como frias?
Othoniel - Depende. Certas instalações, ao contrário, usam o lado espetacular da multimídia,
com muitos efeitos que podem levar a um estado de transe...
Dias - Como todo meio, o eletrônico permite qualquer "approach". Na verdade, você pode
ser extremamente dramático, e
essa pode ser uma corrente, mas
há outras mais conceituais. Daí
para criar uma genialidade de
pensamento, bom, é tão difícil
quanto em qualquer área.
Folha - Estamos aqui diante de
uma grande coleção de fotos. Qual
é, na visão de vocês, o papel da fotografia na arte contemporânea?
Othoniel - A fotografia deve ser
esquecida muito rapidamente. Há
artistas demais que a utilizam. Ela
é usada como uma forma fácil de
resposta ao mercado. Com uma
idéia, o artista faz 50 obras. É como a pintura abstrata nos anos 60.
Todos os consultórios de médicos
tinham uma pintura abstrata e
hoje têm uma fotografia de arte
contemporânea. E o que resta da
pintura abstrata? Três ou quatro
bons pintores.
Dias - Isso pode ser visto na arte
internacional há já pelo menos
dez, 20 anos. Hoje chegamos a
uma enorme diluição.
O jornalista Rodrigo Moura viajou a
convite do Centro Cultural do Banco do
Brasil
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