São Paulo, sábado, 16 de julho de 2005

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LITERATURA

Debate sobre ecos da obra de Cervantes no Brasil começou na Flip

Polêmica quixotesca racha mundo das letras

EDUARDO SIMÕES
JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

Há cerca de uma semana, Ariano Suassuna provocou uma pequena polêmica em sua passagem por Parati, durante a Flip, tendo como foco o personagem Dom Quixote. Numa palestra que, oficialmente, tinha como tema "Brasil, Arquipélago de Culturas", o escritor saiu pela tangente e criticou o historiador Evaldo Cabral de Mello, que numa entrevista à Folha havia dito que, na literatura brasileira, o único personagem que tem influência do cavaleiro é o capitão Vitorino Carneiro da Cunha, o Papa-Rabo, de "Fogo Morto", de José Lins do Rêgo.
Para Suassuna, foi injusto não mencionar Policarpo Quaresma, de "O Triste Fim de Policarpo Quaresma", do escritor Lima Barreto, e Rubião, de "Quincas Borba", de Machado de Assis.
Ouvidos pela Folha, seis escritores, professores e críticos literários se dividiram a favor ou contra a opinião de Suassuna, ampliando algumas vezes suas avaliações. Silviano Santiago, por exemplo, critica a gafe de não se perceber "a unidade complexa na justaposição do Quixote e de Sancho". E mais: para ele, a grande parte dos personagens a que se reputa semelhanças com Quixote são "simpaticíssimas adequações dos traços físicos e da personalidade do fidalgo às vicissitudes da nacionalidade combalida".
"Ou seja, têm a ver com um único personagem e quase nada a ver com a atualidade do romance clássico espanhol. Têm a ver com um preconceito de classe às avessas: o idealismo na pobreza como forma de resistência pós-colonial. Injustiça, esperança, inadequação e loucura", completa Santiago.
Já Luiz Roncari, professor do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, disse que pensou bastante e chegou à conclusão de que o personagem mais quixotesco da literatura brasileira não está em nenhum dos livros: é o próprio Ariano Suassuna.
"E não vai maldade nisso, não. Tanto fisicamente, por ser magriço, alto, quanto intelectualmente, com idéias sérias e ainda acreditando no futuro do Brasil, ele é o nosso Dom Quixote. De resto, o que tem é muito Sancho Pança."
Instigados também a refletir sobre como seria o perfil do Quixote no Brasil dos escândalos de corrupção e no mundo à sombra do terror, os convidados encontraram alguma dificuldade de localizar o personagem do século 17 no atribulado cenário do início do século 21. Para Autran Dourado, Quixote estaria perdido.
Para o escritor Alberto Mussa, também criticado por Suassuna, por ter dito num artigo que o Quixote era egoísta, a associação entre a obra de Cervantes e a de Lima Barreto é errônea, pois o idealismo de Policarpo relaciona-se a problemas concretos, como a fome e a cultura. Ao passo que o Quixote busca a glória pessoal.
"No Brasil e no contexto internacional de hoje, ele não contribuiria em nada, porque sonha em restaurar o passado, não é um empreendedor de causas futuras. O que não diminui o valor da obra ou do autor", defende Mussa.


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