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LITERATURA
Debate sobre ecos da obra de Cervantes no Brasil começou na Flip
Polêmica quixotesca racha mundo das letras
EDUARDO SIMÕES
JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL
Há cerca de uma semana, Ariano Suassuna provocou uma pequena polêmica em sua passagem
por Parati, durante a Flip, tendo
como foco o personagem Dom
Quixote. Numa palestra que, oficialmente, tinha como tema "Brasil, Arquipélago de Culturas", o
escritor saiu pela tangente e criticou o historiador Evaldo Cabral
de Mello, que numa entrevista à
Folha havia dito que, na literatura
brasileira, o único personagem
que tem influência do cavaleiro é
o capitão Vitorino Carneiro da
Cunha, o Papa-Rabo, de "Fogo
Morto", de José Lins do Rêgo.
Para Suassuna, foi injusto não
mencionar Policarpo Quaresma,
de "O Triste Fim de Policarpo
Quaresma", do escritor Lima Barreto, e Rubião, de "Quincas Borba", de Machado de Assis.
Ouvidos pela Folha, seis escritores, professores e críticos literários se dividiram a favor ou contra
a opinião de Suassuna, ampliando algumas vezes suas avaliações.
Silviano Santiago, por exemplo,
critica a gafe de não se perceber "a
unidade complexa na justaposição do Quixote e de Sancho". E
mais: para ele, a grande parte dos
personagens a que se reputa semelhanças com Quixote são
"simpaticíssimas adequações dos
traços físicos e da personalidade
do fidalgo às vicissitudes da nacionalidade combalida".
"Ou seja, têm a ver com um único personagem e quase nada a ver
com a atualidade do romance
clássico espanhol. Têm a ver com
um preconceito de classe às avessas: o idealismo na pobreza como
forma de resistência pós-colonial.
Injustiça, esperança, inadequação
e loucura", completa Santiago.
Já Luiz Roncari, professor do
Departamento de Letras Clássicas
e Vernáculas, disse que pensou
bastante e chegou à conclusão de
que o personagem mais quixotesco da literatura brasileira não está
em nenhum dos livros: é o próprio Ariano Suassuna.
"E não vai maldade nisso, não.
Tanto fisicamente, por ser magriço, alto, quanto intelectualmente,
com idéias sérias e ainda acreditando no futuro do Brasil, ele é o
nosso Dom Quixote. De resto, o
que tem é muito Sancho Pança."
Instigados também a refletir sobre como seria o perfil do Quixote
no Brasil dos escândalos de corrupção e no mundo à sombra do
terror, os convidados encontraram alguma dificuldade de localizar o personagem do século 17 no
atribulado cenário do início do
século 21. Para Autran Dourado,
Quixote estaria perdido.
Para o escritor Alberto Mussa,
também criticado por Suassuna,
por ter dito num artigo que o Quixote era egoísta, a associação entre a obra de Cervantes e a de Lima Barreto é errônea, pois o idealismo de Policarpo relaciona-se a
problemas concretos, como a fome e a cultura. Ao passo que o
Quixote busca a glória pessoal.
"No Brasil e no contexto internacional de hoje, ele não contribuiria em nada, porque sonha em
restaurar o passado, não é um
empreendedor de causas futuras.
O que não diminui o valor da obra
ou do autor", defende Mussa.
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