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LITERATURA
Cinebiografias destrincham método do escritor norte-americano na criação do livro-reportagem "A Sangue Frio"
Filmes examinam segredos de Capote
DAVID CARR
DO "NEW YORK TIMES"
Truman Capote ficaria satisfeito
se soubesse que haverá não um,
mas dois filmes celebrando sua vida, neste ano e no ano que vem.
Não só "Capote" e "Have You
Heard?" giram em torno de seu
assunto favorito -Truman Capote- como a convergência e a
promessa de conflito entre eles
prometem uma camada adicional
de excitação pela qual ele alegremente amarraria um guardanapo
em torno do pescoço.
A fama e todos os seus descontentamentos eram obsessões persistentes para Capote, o que pode
explicar o motivo de ele parecer
disposto a fazer quase qualquer
coisa para obtê-los. Enquanto escrevia o romance-reportagem "A
Sangue Frio", obra-prima que
serve de base a ambos os filmes,
Capote contou certas mentiras a
fim de revelar certas verdades. E
com isso tornou-se um verdadeiro exemplo da maneira pela qual
a verdade jornalística é obtida.
Nos cinco anos em que Capote
trabalhou no projeto, que narra
em detalhes o assassinato de quatro membros de uma família de
fazendeiros em Holcomb, Kansas, por uma dupla de desocupados, ele desenvolveu um vínculo
emocional com ambos os assassinos. Mas o relacionamento não
impediu que o escritor torcesse
para que ambos fossem condenados à morte, sem o que ele não teria um final para o seu trabalho
mais importante.
"A Sangue Frio", publicado em
1965, foi registrado e narrado de
uma maneira que não revela nenhum remorso. Ele conquistou a
confiança dos dois assassinos,
convenceu-os a contar suas histórias e depois os vendeu.
Aparentemente a ressonância e
a atualidade da história foram suficientes para atrair dois diferentes cineastas. "Capote" se baseia
na biografia homônima, por Gerald Clarke, publicada em 1990,
enquanto "Have You Heard?"
(você sabia?) se baseia nas entrevistas recolhidas por George
Plimpton em seu livro "Truman
Capote: In Which Various
Friends, Enemies, Acquaintances
and Detractors Recall his Turbulent Career" (Truman Capote: no
qual diversos amigos, inimigos,
conhecidos e detratores relembram sua turbulenta carreira),
publicado em 1997. Mas as diferenças básicas se encerram aí.
Ambos os filmes tomam por tema
a investigação jornalística e o período de redação de "A Sangue
Frio" e têm por principal preocupação a motivação e a metodologia de Capote para relatar aquela
história sombria.
"Capote", que está praticamente pronto, deve ser lançado em 30
de setembro (o aniversário do escritor), enquanto "Have You
Heard?", estrelado por Sandra
Bullock, Gwyneth Paltrow e Sigourney Weaver, entre outros,
ainda está sendo editado e teve
sua estréia adiada para o final de
2006 pela distribuidora, a Warner
Independent Pictures.
Ambos os filmes começam com
Capote, um romancista gay de
Nova York, implausivelmente
chegando à região rural do Kansas para começar a trabalhar na
cobertura do caso, e o vemos dando início à sua sedução dos acusados. Ambos retratam-no como
um narrador talentoso, mas cheio
de veneno. É perfeitamente possível alegar que não existiriam livros como "Armies of the Night",
de Norman Mailer, ou a série de
relatos de história contemporânea em que a presença do narrador é discretíssima escritos por
Bob Woodward se não houvesse
"A Sangue Frio".
Quase todo mundo que digita
um texto hoje em dia deve alguma
coisa a Capote. Ele transformou o
trabalho braçal do jornalismo em
algo muito mais literário.
"Não houve ninguém na vida
dos Estados Unidos que se parecesse nem remotamente com
Truman Capote", disse Norman
Mailer certa vez.
Desde o começo, Capote sofria
de enorme carência em qualquer
ambiente e tinha o desejo de ser
validado por qualquer um e quase
todo mundo. A maior parte dos
jornalistas chega à profissão com
inclinação semelhante: por que
correr o risco de cometer erros em
público se o reconhecimento não
existisse como recompensa? Mas
a profissão requer cooperação. O
tema do trabalho precisa se envolver na empreitada, mesmo que isso raramente sirva ao seu melhor
interesse. Capote demonstrou vividamente que o que é bom para
o escritor é vendido ao tema do
trabalho como se fosse igualmente bom para ele.
Ao fazê-lo, ele deu início a um
novo gênero de livro, o "jornalismo literário", cuja base é a intimidade. O jornalista se posiciona
diante do tema, todo ouvidos,
sempre simpático, determinado a
ajudar a pessoa a contar "sua" história. Mas nunca é a história da
pessoa que é ouvida; o que resulta
do processo é a história que o jornalista escolhe contar.
"A fim de contar a história que
ele contou, é necessária uma pessoa ardilosa, de pensamento rápido, que não esteja acima de manipular os sonhos e esperanças de
outros", disse Douglas McGrath,
diretor de "Have You Heard?"
O público desconfia da imprensa há muito tempo. São as pessoas
que têm de suportar o jornalismo,
em todas as suas manifestações
sagazes e grosseiras.
Ainda que a produção jornalística de Capote tenha sido pequena, ele enfrentou outros problemas, entre os quais uma acusação
de Marlon Brando de que havia
usado uma entrevista informal
concedida no Japão e aproveitado
os dados para escrever um perfil
pouco lisonjeiro do ator.
O sucesso de Capote teve um
preço bastante significativo. O romance que planejou para seguir
"A Sangue Frio", "Answered Prayers" [preces atendidas], se tornou um obstáculo intransponível
e ele jamais conseguiu conclui-lo,
em parte porque previu que conseguir o que se deseja pode causar
paralisia.
Tradução de Paulo Migliacci
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