São Paulo, sábado, 16 de agosto de 1997.



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TEATRO
Estréia hoje, no Sérgio Cardoso, espetáculo dirigido por Ulysses Cruz que traz Marco Ricca no papel central
'Hamlet' chega em versão popular grandiosa

DANIELA ROCHA
Da Reportagem Local

O "Hamlet" que estréia hoje em São Paulo é definido pelo diretor Ulysses Cruz como a história de uma família com problemas.
"Só que se trata de uma família poderosa, que tem uma mãe com um filho esquisitíssimo que se relaciona com uma menina ainda mais esquisita."
Um marco da montagem de Ulysses Cruz é o refinamento no trabalho dos atores, o cuidado nos figurinos e a grandiosidade nos cenários. Nada de simplicidade.
A idéia de Cruz é conseguir, com "Hamlet", o que ele alcançou com a montagem de "Péricles - O Príncipe de Tiro", que levou cem mil pessoas ao Teatro Popular do Sesi. Cruz pretende fazer de "Hamlet" um Shakespeare popular e levar o público ao teatro para conhecer esses personagens ricos e problemáticos.
"Quero tirar o peso dessa história. Teatro é um ato de comunicação, e pretendo, com essa montagem, compartilhar com o público o sonho que foi escrito por Shakespeare", disse o diretor.
Sonho porque se trata de uma história com rei, rainha e súditos dinamarqueses que, à primeira vista, nada têm a ver com o público brasileiro.
"Mas a história é também uma alegoria, uma metáfora, porque, além de tudo, tem o irmão do rei que é um bandido que mata o soberano, usurpa o trono e fica com a rainha, uma mulher muito bonita. Para complicar a vida do jovem príncipe, o espírito do rei pai aparece para ele, esclarecendo a trama. Não há como contar essa história instigante sem teatralidade."
Assim, Cruz monta Shakespeare deixando de lado o peso que o rótulo clássico carrega.
"Teatro é o prazer de contar uma história unido ao prazer que o público tem em ouvi-la. Se vamos compartilhar a trama de forma ritualística ou didática, não importa", completou o assistente de direção Alfredo de Aguiar.
O protagonista
Quem centraliza o foco da história é Hamlet, jovem atormentado pelo espírito do pai morto e que, em seu grande discernimento (que beira a insanidade), deflagra o fim da família. O personagem é interpretado pelo ator Marco Ricca.
"Sou a locomotiva do espetáculo. Sinto-me com uma responsabilidade absurda", afirmou o ator.
Para ele, a complexidade de Hamlet torna o personagem impossível. "É vasto demais. É um personagem de leitura pessoal, só que inspirado no Ulysses, no elenco, no cenário."
A encenação de Ulysses Cruz, segundo ele, é inteligente e inteligível. "Ulysses tentou impor um método. Ele mostrou que não adianta ter talento, precisa ter certo grau de organização. Sou um ator muito anárquico e tive que compreender que o trabalho de ator que o Ulysses busca é quase científico e matemático, porque o gráfico do personagem Hamlet é muito complicado."
Tão complicado que, às vezes, Ricca se perde: "Perdi a noção do que estou fazendo no palco. Toda vez que paro para pensar se faço isso ou aquilo, se a informação não chega à nuca, não sei como executar o personagem da melhor maneira possível."
Para ele, Hamlet pensa muito, e pensa muito bem. "Shakespeare elaborou o texto com primor. Pensar é tudo o que o personagem Hamlet sabe fazer bem. No resto, ele é catastrófico. Por isso, não poderia assumir o trono. Se se tornasse rei, seria um péssimo monarca", disse Cruz.
A vantagem de estar montando Shakespeare, segundo Cruz, é que não há necessidade de fazer novas leituras do autor.
"Fazemos a única leitura porque simplesmente não sabemos como era na época de Shakespeare. Assim, procuro não fazer uma interpretação sociológica, política ou psicológica do texto. Apenas quero contar uma história envolvente que há muito não é contada no Brasil", disse Cruz.
Segundo ele, a última grande montagem de "Hamlet" aconteceu em 1983, com direção de Márcio Aurélio.
Ricca, o idealizador -que, além de atuar, produz o projeto-, afirmou que sente uma emergência em dizer o que Shakespeare escreveu há séculos porque chegou à conclusão de que era importante que se discutisse o Brasil como está hoje, "entregue ao limbo dos jovens, meros observadores".
"'Hamlet' nos faz retomar a discussão. Não podemos mais adiar as grandes decisões porque as injustiças estão em toda parte", afirmou o ator.

Peça: Hamlet Autor: William Shakespeare Direção: Ulysses Cruz Elenco: Marco Ricca, Mariana Muniz, Ernani Moraes, Julia Feldens, Rubens Caribé, Hélio Cicero e outros Quando: Estréia hoje, às 21h. De qui. a sáb., às 20h, dom., às 18h. Até 18 de out. Onde: Teatro Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, Bela Vista, tel. 011/288-0136) Quanto: R$ 15 (qui. e sex.) e R$ 20 (sáb. e dom.)




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