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São Paulo, sábado, 16 de agosto de 2003

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"ESCADA DE GIZ"

Esboço aparente de espetáculo vence riscos da experimentação

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Escada de Giz" é um espetáculo em forma de esboço. Esse é seu grande mérito e sua grande coragem. Não é, portanto, inacabado por falta de tempo, nem se apóia na cumplicidade da platéia para justificar com falsa ideologia (enquanto "denúncia dos meios de produção do espetáculo", por exemplo) o fato de parecer incompleto.
Deborah Serretiello e Lúcia Romano se expõem em fragmentos de ações e situações cotidianas, sem a rede de segurança da narrativa. O roteiro enigmático, finalizado por Rubens Rewald após longa pesquisa coletiva, se de -senrola quase por associação livre, e só aos poucos o público passa a discernir e à identificação.
Assim, embora não se saiba ao certo quem são essas mulheres ou qual a relação entre elas, desse distanciado ponto neutro afloram aos poucos temas reconhecíveis.
Em suave coreografia, o medo da morte se une ao jogo de esconder do recém-nascido; o trauma do primeiro dia de aula -com toda a eloquência do choro infantil- é vencido pela fábula, com toda a força poética do realismo fantástico (como figurar esse "elefantônio" que salva as crianças perdidas?). Aqui também se parte da pesquisa do movimento, sendo o texto como legenda possível para as imagens essenciais que, apesar da liberdade de associação, não são arbitrárias: partem da pesquisa do folclorista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), o que justifica, se houver necessidade, que sejam apresentadas de modo breve e sistemático, como verbetes de enciclopédia.
O que mantém o interesse do público é a apurada técnica das atrizes. Esse "teatro gestual" depende inteiramente de sua carismática entrega, elas que há três anos buscam dar forma ao inefável, sem garantia de um ponto de chegada possível. Ajudadas pelo belo figurino, por um cenário essencial e pela delicada trilha sonora, ainda precisam de reajustes na direção, em lentidões às vezes desnecessárias e um ou outro preciosismo. Mas, sem riscos, não há teatro experimental e, sem ele, feito de esboços e pequenas epifanias, o teatro seria apenas um descartável produto de consumo.


Escada de Giz
   
Direção: Raquel Ornellas Dramaturgia: Rubens Rewald Com: Lúcia Romano e Deborah Serretiello Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, Liberdade, São Paulo, tel. 0/xx/11/3277-3611) Quando: ter. e qua. (21h), até 27/8 Quanto: R$ 10



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