São Paulo, domingo, 16 de agosto de 2009

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Crítica/"Noturno"

Trama violenta funcionaria melhor na tela

SANTIAGO NAZARIAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vampiro não é coisa de mulherzinha. Devolver às criaturas da noite sua carga escabrosa parece ser a premissa de "Noturno", escrito numa parceria de fôlego entre Guillermo del Toro (cineasta de filmografia irregular, com filmes como "Labirinto do Fauno", "Hellboy" e "A Espinha do Diabo") e Chuck Hogan (autor de best-sellers de suspense pouco conhecidos no Brasil).
Começa de forma brilhante.
Um avião pousa em Nova York e permanece em silêncio, com as luzes apagadas, sem que nenhum passageiro ou tripulante saia. Logo chegam equipes de segurança para checar o que se passa: sequestro, epidemia, pegadinha do Mallandro? (OK, a última opção não é cogitada). A narrativa é lenta, fermentando o suspense e as expectativas pela revelação do que, já sabemos, será uma história de vampiros. Ao aparecerem, os sanguessugas continuam surpreendendo. Passam longe da elegância gótica do gênero, estando mais próximos de um misto de invasores de corpos alienígenas e zumbis. Não é uma releitura inédita -é próxima, por exemplo, dos vampiros de "Cem Dias de Noite" (a HQ e o filme)-, mas é interessante como o romance explica e disseca, literalmente, os dentuços, trazendo descrições anatômicas e analisando o processo de contágio.
O texto retrata a invasão em diversos lares, numa estrutura fragmentada, que pode ter facilitado a escrita a quatro mãos. Ainda assim, os autores mesclam de forma homogênea contos de fadas, catástrofe aérea, thriller epidemiológico, ficção científica, mitologia lovecraftiana e, claro, histórias clássicas de vampiros. (Impossível não ver a chegada do avião como uma versão atualizada da viagem de navio de Drácula, no romance de Bram Stoker.)
Mas a falta de personagens tangíveis tira boa parte do carisma do texto (note que, aqui, não foi necessário dar o nome de um único personagem). Não há ninguém para torcer, nem mesmo a personificação do mal num vilão instigante -o mestre dos vampiros surge no terço final, sem personalidade definida. E, após a revelação da epidemia dos vampiros, o romance descamba para descrições de violência que podem funcionar na tela, mas que têm poder de assombro reduzido em texto.
Primeiro de uma trilogia, o livro ainda tem o desfecho brutalmente postergado, o que é frustrante após percorrer mais de 460 páginas e ter só uma vaga ideia de quem é o vilão e quais são seus planos. "Noturno" se mostra um belo projeto.
Pode gerar ótimo filme ou série, mas despreza as armas mais fortes da literatura: identificação e aprofundamento.


NOTURNO
Autores: Guillermo del Toro e Chuck Hogan
Tradução: Sérgio Moraes Rego e Paulo Reis
Editora: Rocco
Quanto: R$ 46,50 (464 págs.)
Avaliação: regular




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