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TELEVISÃO
"Tiro e Queda" subestima a
capacidade do telespectador
ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha
Em tempos de concorrência
acirrada, as redes de televisão preferem apostar em programas que
imaginam que tenham sucesso
garantido. E investem milhões na
repetição de fórmulas já testadas.
O resultado é que ficamos todos,
espectadores e criadores, sujeitos
à falta de imaginação dos produtores.
Ironicamente, enquanto apenas
uma parte restrita da população
era reconhecida como consumidora em potencial, os programas
televisivos eram mais provocativos. Quando finalmente o mercado se amplia para incluir segmentos excluídos durante séculos, o
preconceito da elite contra os pobres se manifesta na redução do
espaço à manifestação inteligente
na TV. E, ironicamente, a TV que
durante décadas acenou com a
ampliação do repertório dos espectadores pode vir a representar
uma barreira difícil de transpor.
"Tiro e Queda", a novela que a
Rede Record estreou anteontem,
se move nesse terreno quase sufocante. A novela começa bem, com
uma vinheta de abertura moderna e bem-humorada. Em tons de
cinza, branco e preto, personagens de cartoon buscam pistas
para desvendar os mistérios de
um crime, como diz a música-tema, "sem explicação, sem eira
nem beira."
O logotipo da novela reafirma a
letra da música, sintetiza o argumento e dá o tom da narrativa.
"Tiro e Queda" em letras convencionais, uma rosa vermelha pingando sangue sobre fundo branco. A embalagem tipo pastiche esperto anuncia uma brincadeira
em torno de "Sherlock ou Poirot",
mas acaba em pizza.
A idéia parece ser a de radicalizar o tom "mexicano" da trama
-a receita do momento. Talvez a
pretensão seja a de que o anunciado humor sutil apareça no exagero do exagero do dramalhão. Mas
a narrativa tropeça na seriedade
das convenções do gênero.
As lentes grossas dos óculos do
advogado Aranha, interpretado
por Cláudio Mamberti, as lentes
finas da filhinha sardenta do motorista que viaja para a França
vestida de Madeleine para estudar
na Sorbonne e a armação azul
exuberante do português garçom
aspirante a dono de padaria são
diferenciadores raros.
O texto esbanja vulgaridade.
Todos sabem, por exemplo, que a
secretária, "além de trocar as rosas, troca outras coisas" do patrão. Todos sabem também que o
sócio, sempre que pode, passa a
perna no chefe. Os filhos dos ricos
são mimados, arrogantes, inúteis.
Uma compilação de trechos das
músicas de fundo arrepiaria.
Ao final de uma década de competição, a qualidade das emissoras concorrentes certamente melhorou. Vinhetas metidas na Record anunciam que a emissora investe em uma sofisticação de imagem. A presença de atores respeitados no elenco confirma a intenção de superar o amadorismo.
Mas falta abandonar o preconceito básico com a inteligência do
espectador. Quem for capaz de
sintonizar expectativas fragmentadas de um público ansioso por
ser incluído não em um universo
decadente e angustiado de um
Brasil que se esvai, mas em algo
que de alguma forma estimule a
imaginação, certamente será capaz de faturar bons pontos no
Ibope.
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