São Paulo, Quinta-feira, 16 de Setembro de 1999
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TELEVISÃO

"Tiro e Queda" subestima a capacidade do telespectador

ESTHER HAMBURGER
especial para a Folha

Em tempos de concorrência acirrada, as redes de televisão preferem apostar em programas que imaginam que tenham sucesso garantido. E investem milhões na repetição de fórmulas já testadas. O resultado é que ficamos todos, espectadores e criadores, sujeitos à falta de imaginação dos produtores.
Ironicamente, enquanto apenas uma parte restrita da população era reconhecida como consumidora em potencial, os programas televisivos eram mais provocativos. Quando finalmente o mercado se amplia para incluir segmentos excluídos durante séculos, o preconceito da elite contra os pobres se manifesta na redução do espaço à manifestação inteligente na TV. E, ironicamente, a TV que durante décadas acenou com a ampliação do repertório dos espectadores pode vir a representar uma barreira difícil de transpor.
"Tiro e Queda", a novela que a Rede Record estreou anteontem, se move nesse terreno quase sufocante. A novela começa bem, com uma vinheta de abertura moderna e bem-humorada. Em tons de cinza, branco e preto, personagens de cartoon buscam pistas para desvendar os mistérios de um crime, como diz a música-tema, "sem explicação, sem eira nem beira."
O logotipo da novela reafirma a letra da música, sintetiza o argumento e dá o tom da narrativa. "Tiro e Queda" em letras convencionais, uma rosa vermelha pingando sangue sobre fundo branco. A embalagem tipo pastiche esperto anuncia uma brincadeira em torno de "Sherlock ou Poirot", mas acaba em pizza.
A idéia parece ser a de radicalizar o tom "mexicano" da trama -a receita do momento. Talvez a pretensão seja a de que o anunciado humor sutil apareça no exagero do exagero do dramalhão. Mas a narrativa tropeça na seriedade das convenções do gênero.
As lentes grossas dos óculos do advogado Aranha, interpretado por Cláudio Mamberti, as lentes finas da filhinha sardenta do motorista que viaja para a França vestida de Madeleine para estudar na Sorbonne e a armação azul exuberante do português garçom aspirante a dono de padaria são diferenciadores raros.
O texto esbanja vulgaridade. Todos sabem, por exemplo, que a secretária, "além de trocar as rosas, troca outras coisas" do patrão. Todos sabem também que o sócio, sempre que pode, passa a perna no chefe. Os filhos dos ricos são mimados, arrogantes, inúteis. Uma compilação de trechos das músicas de fundo arrepiaria.
Ao final de uma década de competição, a qualidade das emissoras concorrentes certamente melhorou. Vinhetas metidas na Record anunciam que a emissora investe em uma sofisticação de imagem. A presença de atores respeitados no elenco confirma a intenção de superar o amadorismo.
Mas falta abandonar o preconceito básico com a inteligência do espectador. Quem for capaz de sintonizar expectativas fragmentadas de um público ansioso por ser incluído não em um universo decadente e angustiado de um Brasil que se esvai, mas em algo que de alguma forma estimule a imaginação, certamente será capaz de faturar bons pontos no Ibope.


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