São Paulo, Quinta-feira, 16 de Setembro de 1999
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SHOW TEATRO JOÃO CAETANO, RIO, 14/9

"Sinal Aberto" preserva "Sinal Fechado"
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Os músicos Toquinho (esq.) e Paulinho da Viola em show no Rio de Janeiro



PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio

Havia uma passagem temerária em "Sinal Aberto", show de Paulinho da Viola e Toquinho que foi gravado no Rio, terça e ontem, e se transformará em CD duplo a ser consumido ainda neste ano.
Era a reinterpretação da canção "Sinal Fechado", que deu mote invertido ao título do projeto e é, afinal, um dos cumes da carreira de Paulinho da Viola desde 1969, quando foi lançada.
O show era de dupla, e era natural a tentação de que dois cantores decompusessem o diálogo da letra e interpretassem, cada um, um dos personagens da história de trânsito e solidão -como, aliás, fizeram equivocadamente Chico Buarque e Maria Bethânia também num show de dupla que gerou disco em 1975.
Pois não. Toquinho se ateve a seu dedicado violão enquanto Paulinho cantava, só, o diálogo que é monólogo e que foi criado para ser cantado solo, no limbo da solidão. A sutileza foi preservada e, até, exponenciada pelo arranjo tenso, marcial. Hino de desespero em 69, "Sinal Fechado" está pronto para se consumar momento luminoso -ou melhor, nebuloso- de encerramento dos anos 1900. Nada mudou.
Bem, aí está o ápice do show que vai virar CD (todos os shows vão virar CDs em 99?). Pena que, de estonteante, pouco mais haja no que poderia ter sido mais um encontro antológico da MPB.
Não é que algo esteja fora de lugar; ambos se desincumbem da tarefa com valentia. Toquinho quase sussurra, embelezando seu canto; Paulinho ainda sabe acrescentar nuances a "Dança da Solidão" (72) a cada vez que a relê, sem nunca esgotá-la.
Trocam canções (Paulinho canta "Que Maravilha", mais de Jorge Ben que de Toquinho -e ele fazê-lo, pela primeira vez, é outro encontro inesquecível), inauguram uma parceria (no sambinha de separação "Caso Encerrado"), prestam homenagens (a Baden Powell, presente na platéia do primeiro dia, a Canhoto da Paraíba, a outros vários), até iluminam um tema inédito -e fofíssimo- de Dorival Caymmi ("Samba da Cancela").
Toquinho apela a chavões (a triste "Aquarela", em triste versão), Paulinho vasculha armários ("Cantando", de 76, "Duvide-o-dó", a primeira parceria de sua carreira, com Hermínio Bello de Carvalho).
Encontram-se pouco os dois, entretanto, num show que parece pouco ensaiado (especialmente por vários erros de Paulinho). É o que dá pano para manga à reflexão: enquanto Paulinho esfola o samba, Toquinho contorna a bossa-jazz, postados em linhas paralelas que nunca se cruzam.
Vai daí que Paulinho declara-se tributário da bossa, mas não acompanha Toquinho nas reverências a Tom Jobim -Paulinho nunca cantou Jobim, veja que significativo. Por outra, Toquinho faz mesuras ao samba, mas se desloca quando "Argumento" (de Paulinho, 75) pede para que não se altere o samba tanto assim.
Mais amigos que parceiros, mais divergentes que consensuais, dão aula de convivência pacífica e de solidariedade, em espetáculo mais humano que musical. Quando a música anda exilada do humanismo, até é meio caminho andado. Mas só meio, dados os quilates de que se trata.


O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou a convite da gravadora BMG

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