|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"AZUL E DURA"
Bracher é intensa e precisa em obra sobre dilaceramento existencial
CRÍTICO DA FOLHA
Poucas vezes é dado ao crítico o contentamento de poder recomendar sem pejo um novo escritor e sua ficção de estréia.
Dificuldades de toda sorte se
apresentam nesses casos ao autor,
em sua busca da perfeição técnica,
e ao analista, em sua procura pela
objetividade. Mas a maioria dos
obstáculos é superada diante de
"Azul e Dura", primeiro romance
da paulistana Beatriz Bracher.
O enredo pode soar banal. A
bem-nascida Mariana tenta superar, nos Alpes suíços, o trauma de
sua separação e de um atropelamento (causado por ela) que resultou na morte da vítima, uma
moça deficiente mental. A superação passa pelo confronto com o
passado e consigo própria; o que
só é possível por meio da escrita,
pela transformação do eu em personagem ficcional.
A narrativa corre solta por diversos momentos do passado: a
infância e adolescência no seio de
uma família tradicional; a formação engajada numa escola de cinema; o casamento que aos poucos embota-lhe a dignidade; o acidente e o processo jurídico. Há
também o tempo presente, em
que a protagonista-narradora se
empenha em organizar o caos no
qual sua vida se converteu.
Como na faculdade, quando
montava seus primeiros filmes,
precisa arranjar na moviola romanesca "sequências (...) embaralhadas, algumas nítidas e até
com cheiro, mas sem continuidade". O embaralhamento a angustia. Mariana carece de valores firmes como verdade e justiça, mas
não os encontra. O inquérito policial beneficia escandalosamente a
ré, acusando o pai da vítima, um
velho pobre e bêbado, de negligência. Mariana se revolta, mas
não consegue superar o peso da
tradição imoral de que faz parte.
O resultado só pode ser o esfacelamento. Na narrativa, isso se dá
não só pela montagem aparentemente aleatória dos planos-sequência da memória, mas também pela constante reescrita da
personagem de acordo com o discurso por meio do qual se representa. Ora lamuriento, ora acusador, ora desesperançado, ora lúcido, ele revela uma Mariana multifacetada em seu dilaceramento
existencial. Como diz a personagem a certa altura: "Nada importa
quando nada está certo". Beatriz
Bracher: intensa e precisa.
(MARCELO PEN)
Azul e Dura
Autor: Beatriz Bracher
Lançamento: editora 7 Letras
Quanto: R$ 25 (176 págs.)
Texto Anterior: Livros/lançamentos - "Pouco amor não é amor": Nelson Rodrigues maneja estilos para desvelar o Rio Próximo Texto: "Dicionário crítico das escritoras...": Professora coleciona autoras brasileiras Índice
|