São Paulo, sábado, 16 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"DICIONÁRIO CRÍTICO DAS ESCRITORAS..."

Nelly Novaes Coelho organiza obra com 1.401 verbetes, trabalho de 20 anos

Professora coleciona autoras brasileiras

FRANCESCA ANGIOLILLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Na próxima quinta, a professora Nelly Novaes Coelho, 80, põe o ponto final num trabalho de duas décadas, ao lançar o "Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras".
Se não é o primeiro a enfocar a literatura feminina no Brasil, o dicionário da professora Nelly tem o mérito da extensão (são 1.401 autoras) e de ser o mais novo volume do gênero -do que supõe-se ser o mais atualizado.
A gênese do levantamento agora apresentado está em outro: foi elaborando o "Dicionário Crítico de Literatura Infantil/Juvenil Brasileira" (Edusp) que Novaes Coelho deparou com uma "plêiade de novas escritoras de grande força, mas sem circulação entre o grande público". Além de buscar aumentar esse público, o novo dicionário pretende servir de fonte a pesquisas na área universitária.
O critério para mergulhar num universo tão amplo foi limitar a seleção a "ficcionistas, poetas, cronistas e dramaturgas" que tivessem pelo menos um livro publicado, uma peça representada. "Foi um critério de natureza quantitativa, para dar limites materiais à pesquisa. Isso porque as ensaístas ou as escritoras que só publicaram em antologias, revistas etc. são às centenas", diz.
Como toda regra, deixa passar exceções: são autoras dos séculos 18 e 19 que não puderam editar livros e "mulheres notáveis" a "homenagear" -caso, por exemplo, de Chiquinha Gonzaga.
A autora frisa que não conseguiria ter compilado os verbetes se, além de usar outras obras de referência, não tivesse armado uma rede composta de colegas, que enviaram informações de todo o país, e de autoras, que manifestaram interesse em estar presentes.
Ao mesmo tempo que possibilitou o trabalho de fôlego, porém, o método, ao buscar primordialmente abrangência, fez com que o resultado se ressentisse da ausência de um crivo mais rígido a ditar a extensão ou mesmo a presença dos verbetes. Surgem, assim, discrepâncias.
Por exemplo, pode até ser que, à sombra vultosa de Clarice, a menos famosa Elisa tenha acabado esquecida e deva ser defendida como vítima de idiossincrasias mercadológicas. Mas soa ligeiramente estranho que as irmãs Lispector mereçam o mesmo peso no volume. Do mesmo modo, parece esquisito que Márcia Peltier, notadamente uma jornalista, seja contemplada de forma semelhante a Ana Maria Machado, escritora reconhecida inclusive com prêmios internacionais.
Por outro lado, fica impossível saber se foi um efeito do método ou a vontade corajosa da professora a deixar de fora uma escritora badalada como Fernanda Young e privilegiar uma discreta, como Claudia Roquette-Pinto -da mesma geração que a algo punk Young, Roquette-Pinto é dona de uma poética sólida e ganha um verbete caprichado.
A suposta objetividade, vale dizer, se resume ao aspecto macro do volume; no nível dos verbetes, a autora se coloca muito pessoalmente, alguns comentários ficando no plano da opinião, talvez respaldada pelos longos anos de carreira acadêmica.
Faltaria somar aos índices (alfabético e por origem) um que listasse as autoras por época -o que facilitaria a identificação de seu lugar na literatura brasileira.
Por fim, é preciso dizer que, críticas à parte, o trabalho é bem-vindo e se afirmará como o útil instrumento que ambiciona ser.


DICIONÁRIO CRÍTICO DAS ESCRITORAS BRASILEIRAS (1711-2001). De: Nelly Novaes Coelho. Editora: Escrituras (0/xx/11/5082-4190). R$ 89,50 (752 págs.). Lançamento: quinta, às 18h, no Memorial da América Latina (av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, portões 4 e 5, SP; tel. 0/xx/11/3823-4600).


Texto Anterior: "Azul e Dura": Bracher é intensa e precisa em obra sobre dilaceramento existencial
Próximo Texto: "Ouvinte da Noite": Maupin é melhor cronista
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.