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CONSCIÊNCIA NEGRA
Autor lança enciclopédia com 9.000 verbetes sobre afro-descendência com sua visão pessoal do assunto
Nei Lopes tira "africanidades" do armário
DA SUCURSAL DO RIO
A "Enciclopédia Brasileira da
Diáspora Africana" é o 14º livro de
Nei Lopes -que tem outros dois
no prelo e mais dois sendo escritos. Como os anteriores, foi feito
sem patrocínio. A editora comprou a obra já pronta. Isso significa que os 9.000 verbetes foram escritos por ele, sem ajuda.
Absurdo por um lado, esse aspecto tem uma vantagem: Lopes
teve total liberdade para expressar
suas idéias. "É uma enciclopédia
que não é impessoal. Eu dou opinião. Ela é minha, posso fazer o
que eu quiser", diz.
Mas evita o panfletarismo. Sobre Mário de Andrade, escreve
que "sua postura intelectual e pessoal diante de suas origens africanas mereceu algumas críticas da
militância negra". Sobre Machado de Assis, fala que "embora
atuasse na imprensa e fosse amigo
de abolicionistas eminentes,
manteve-se impavidamente
alheio à campanha pela abolição
da escravidão negra no Brasil".
Uma das opções-chave foi a de
"visibilizar africanidades que estão no armário". Ou seja, indicar
como afro-descendente pessoas
que nem sempre são vistas dessa
forma. É o caso de Mário de Andrade, do padre Antônio Vieira,
do ex-presidente Nilo Peçanha,
do jornalista Irineu Marinho e de
d. Lucas Moreira Neves.
Há também reparações históricas, verbetes que ressaltam pessoas que não tiveram seu valor reconhecido ou foram tratadas como brancas. É o caso do médico
Joaquim Cândido Soares de Meireles (1777-1868), que foi pintado
para painel da Academia Brasileira de Medicina com "traços caucasóides e cabelos lisos", embora
uma litografia da Biblioteca Nacional o mostre como negro.
Formalmente, a enciclopédia
começou a ser escrita em 1995,
mas as origens remontam aos 12,
13 anos de Lopes. "Eu só via preto
nos jornais e revistas em situação
desfavorável. Quando favorável,
normalmente era estrangeiro.
Sendo favorável, eu guardava."
Anos depois, começou a fazer
fichas sobre essas pessoas e assuntos. Mas a grande virada veio de
maneira trágica: em 1981, perdeu
um filho, afogado aos quatro
anos. "O choque se manifestou
em mim de um modo interessante: passei a ler obsessivamente, até
desordenadamente, e comecei a
comprar dicionários", lembra.
Os verbetes passaram a ser vistos como o formato ideal a ser
adotado por um advogado "sem
formação acadêmica", que nunca
fez mestrado. "Minha intenção é
divulgar esse conhecimento, que
é muito esparso, de difícil acesso."
Antes da enciclopédia, tinha
lançado o "Dicionário Banto do
Brasil", uma das fontes do
"Houaiss". Foi um reconhecimento de sua trajetória intelectual, que, por diletante e militante,
continua alvo de preconceitos.
Na enciclopédia, é firme em vários momentos, como na definição de negro da abertura, capaz
de abranger boa parte da população: "Todo descendente de negro-africano, em qualquer grau
de mestiçagem, desde que a origem possa ser identificada historicamente e, no caso de personalidades contemporâneas vivas, seja
reconhecida pelo focalizado". "É
claro que é uma posição política."
Mesmo tendo dispensado o humor de suas letras de música, evita os clichês da militância, o que
garante a boa leitura. "Acho que
todo estereótipo é ruim. Não uso
o sociologuês que rola por aí. Para
mim, resgate da identidade é
quando deixa o documento na recepção e pega na saída."
(LFV)
ENCICLOPÉDIA BRASILEIRA DA
DIÁSPORA AFRICANA. Autor: Nei
Lopes. Editora: Selo Negro/Summus.
Quanto: R$ 129 (720 págs.).
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