|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DRAMATURGIA
Ciclo "Leituras de Teatro" na Folha apresenta "As Coisas Belas do Lixo", que narra desilusões na metrópole
Autor pinça tragicomédia da solidão
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Lá fora, o crepúsculo. Lá dentro,
numa boate decadente, no coração da cidade, uma cantora e um
pianista terminam o ensaio para
apresentação que farão à noite.
Conversam sobre suas vidas de
artistas mal remunerados pelo
dono da espelunca, um salão de
mesas com toalhas de plástico e
decoradas com flores artificiais.
Num canto, um palquinho com
piano, reduto dos bolerões que
parecem traduzir os percalços
amorosos dos personagens da peça "As Coisas Belas do Lixo", de
Ed Anderson, que participa hoje
do ciclo "Leituras de Teatro" realizado pela Folha.
A Cantora é uma estrela que já
não brilha mais no ofício, está metida em dívidas e acomodada aos
desencantos ("Este mundo é totalmente desafinado!", diz).
O Pianista, amigo e ombro recorrente, tenta estimulá-la, ainda
que não lhe sobre tanta força, pois
ele tem um companheiro gravemente doente.
Cantora e Pianista (não têm nome) formam o tipo de amizade de
quem está sempre disponível para "dividir uma dose de conhaque
numa mesa decorada por gardênias", como ela diz.
A brecha para alguma mutação
se dá quando o Pianista sai para
comprar um lanche e depois ir ao
hospital. Gorro na cabeça e ferramentas nas mãos, surge o Encanador, que já estava fazendo alguns reparos na boate, mas não
fora percebido.
Quando o nota, a Cantora se assusta. Resmunga, pensa que se
trata de assalto, ameaça chamar a
polícia. Ele põe os pingos nos is,
está ali a trabalho. O anticlimax é
logo desfeito quando se dão conta
de que estão trancados; o Pianista
levou a chave. Forçados à convivência, por alguns minutos, eles
vão entabular um papo que os desarmarão ao ponto do beijo. O
que não implica, necessariamente, final feliz. Essa "tragicomédia
urbana", como define o autor, é
feita de tipos comuns, circunscritos ao "gueto". Ela nunca sabe se
contará com público. O Pianista,
que poderia remeter a um universo mais sofisticado, tampouco o é.
E o Encanador, tratado com preconceito pela própria Cantora, ficou desiludido ao sair do interior
para a metrópole.
Aliás, a cidade entra como quarta personagem. A greve de ônibus, a violência, as calçadas esburacadas e a solidão dos seres urbanos constituem o pano de fundo
dessa boca-do-lixo.
O papel da Cantora será lido por
Thereza Piffer (escalada inicialmente, Tania Bondezan foi impedida por motivo de gravação em
novela). Valdir Rivaben vai ler o
Pianista e Elias Andreato, o Encanador. Quem dirige o encontro é
Débora Dubois.
Baiano de Salvador, radicado há
8 anos em São Paulo, Ed Anderson afirma que o texto escrito entre 2002 e 2003 corresponde à fase
mais realista de sua dramaturgia
(são seis peças adultas e três infanto-juvenis).
"No início, a escrita era mais
onírica, impressionista, fugia
muito do real. Agora, estou mais
crítico com esse ser que vive na cidade grande, mais pé no chão",
diz Anderson, 37.
LEITURA DE "AS COISAS BELAS DO
LIXO". Onde: no auditório da Folha (al.
Barão de Limeira, 425, 9º andar, Campos
Elíseos, SP). Quando: hoje, às 20h.
Quanto: entrada franca (reservas pelo
tel. 0/xx/ 11/3224-3473, das 14h às 18h).
Texto Anterior: Festa audiovisual reúne vídeos de Londres, São Paulo e Berlim Próximo Texto: Folias d'Arte faz retrospectiva com nove peças de seu repertório Índice
|