São Paulo, terça-feira, 16 de novembro de 2004

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DRAMATURGIA

Ciclo "Leituras de Teatro" na Folha apresenta "As Coisas Belas do Lixo", que narra desilusões na metrópole

Autor pinça tragicomédia da solidão

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Lá fora, o crepúsculo. Lá dentro, numa boate decadente, no coração da cidade, uma cantora e um pianista terminam o ensaio para apresentação que farão à noite.
Conversam sobre suas vidas de artistas mal remunerados pelo dono da espelunca, um salão de mesas com toalhas de plástico e decoradas com flores artificiais.
Num canto, um palquinho com piano, reduto dos bolerões que parecem traduzir os percalços amorosos dos personagens da peça "As Coisas Belas do Lixo", de Ed Anderson, que participa hoje do ciclo "Leituras de Teatro" realizado pela Folha.
A Cantora é uma estrela que já não brilha mais no ofício, está metida em dívidas e acomodada aos desencantos ("Este mundo é totalmente desafinado!", diz).
O Pianista, amigo e ombro recorrente, tenta estimulá-la, ainda que não lhe sobre tanta força, pois ele tem um companheiro gravemente doente.
Cantora e Pianista (não têm nome) formam o tipo de amizade de quem está sempre disponível para "dividir uma dose de conhaque numa mesa decorada por gardênias", como ela diz.
A brecha para alguma mutação se dá quando o Pianista sai para comprar um lanche e depois ir ao hospital. Gorro na cabeça e ferramentas nas mãos, surge o Encanador, que já estava fazendo alguns reparos na boate, mas não fora percebido.
Quando o nota, a Cantora se assusta. Resmunga, pensa que se trata de assalto, ameaça chamar a polícia. Ele põe os pingos nos is, está ali a trabalho. O anticlimax é logo desfeito quando se dão conta de que estão trancados; o Pianista levou a chave. Forçados à convivência, por alguns minutos, eles vão entabular um papo que os desarmarão ao ponto do beijo. O que não implica, necessariamente, final feliz. Essa "tragicomédia urbana", como define o autor, é feita de tipos comuns, circunscritos ao "gueto". Ela nunca sabe se contará com público. O Pianista, que poderia remeter a um universo mais sofisticado, tampouco o é. E o Encanador, tratado com preconceito pela própria Cantora, ficou desiludido ao sair do interior para a metrópole.
Aliás, a cidade entra como quarta personagem. A greve de ônibus, a violência, as calçadas esburacadas e a solidão dos seres urbanos constituem o pano de fundo dessa boca-do-lixo.
O papel da Cantora será lido por Thereza Piffer (escalada inicialmente, Tania Bondezan foi impedida por motivo de gravação em novela). Valdir Rivaben vai ler o Pianista e Elias Andreato, o Encanador. Quem dirige o encontro é Débora Dubois.
Baiano de Salvador, radicado há 8 anos em São Paulo, Ed Anderson afirma que o texto escrito entre 2002 e 2003 corresponde à fase mais realista de sua dramaturgia (são seis peças adultas e três infanto-juvenis).
"No início, a escrita era mais onírica, impressionista, fugia muito do real. Agora, estou mais crítico com esse ser que vive na cidade grande, mais pé no chão", diz Anderson, 37.


LEITURA DE "AS COISAS BELAS DO LIXO". Onde: no auditório da Folha (al. Barão de Limeira, 425, 9º andar, Campos Elíseos, SP). Quando: hoje, às 20h. Quanto: entrada franca (reservas pelo tel. 0/xx/ 11/3224-3473, das 14h às 18h).


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