|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS/LANÇAMENTOS
"ESSE OFÍCIO DO VERSO"/"UM ENSAIO AUTOBIOGRÁFICO"
Borges "marginal" vem à luz
MARIO SERGIO CONTI
DA REPORTAGEM LOCAL
"E sse Ofício do Verso" e
"Um Ensaio Autobiográfico" trazem textos duplamente
marginais de Jorge Luis Borges.
Marginais porque não foram escritos: a matriz deles é oral. E outra vez marginais porque foram
concebidos e compostos em inglês, e não em espanhol, para platéias americanas.
Os dois textos, que não constam
das "Obras Completas", foram
feitos por Borges no mesmo período de sua vida, aquele em que,
septuagenário e cego, ele consolida sua reputação internacional.
"Esse Ofício do Verso" é o registro das seis palestras que Borges
fez na Universidade Harvard, no
segundo semestre de 1967. As fitas
com as gravações das conferências ficaram mais de 30 anos num
cofre da universidade até serem
descobertas, transcritas e publicadas.
"Um Ensaio Autobiográfico"
foi ditado por Borges a Norman
Thomas di Giovanni, seu tradutor
para o inglês, no primeiro semestre de 1970. Com o título de "Notas Autobiográficas", ele foi publicado em setembro daquele ano
pela revista "The New Yorker".
A fama do escritor fora da Argentina (e mesmo no país, segundo a observação irônica do próprio Borges) começou a se firmar
em 1961, quando ele dividiu com
Samuel Beckett o Prêmio Formentor. No mesmo ano, alguns
de seus escritos foram traduzidos
para o inglês, e ele foi pela primeira vez aos Estados Unidos, para
ser professor visitante da Universidade do Texas.
Em 1967, Borges foi convidado a
ocupar durante um semestre letivo a prestigiada cátedra de poesia
Charles Eliot Norton, em Harvard. Lá, fez as seis conferências.
Na universidade, Borges começou a trabalhar com Norman
Thomas di Giovanni, que o acompanhou a Buenos Aires, veio a traduzir dez de seus livros para o inglês e escreveu um longo ensaio
sobre a sua obra.
Se as palestras em Harvard representaram o cume do prestígio
acadêmico de Borges, a publicação de suas "Notas Autobiográficas" na "The New Yorker" teve
efeito semelhante junto ao público intelectual. Em 1970, a revista
tinha uma circulação semanal de
quase 500 mil exemplares. Acresce que a revista publicou um
anúncio de uma página no "The
New York Times" saudando a publicação do artigo de Borges em
suas páginas.
Menos de um ano depois, o artigo foi publicado em português
pela antiga editora Globo, numa
tradução de Maria da Glória Bordini, com o título de "Perfis", num
volume conjunto com os poemas
de "Elogio da Sombra". O livro foi
publicado no Brasil concomitantemente às suas obras-primas: os
contos de "O Aleph" e "Ficções".
"Um Ensaio Autobiográfico"
foi composto ao longo de três meses e revisto inúmeras vezes. É
uma autobiografia bastante peculiar para os dias de hoje, repletos
de confissões escandalosas: não
há nela quase nada de pessoal.
Borges não se refere nem uma
única vez ao seu casamento e
muito menos a amores, namoros,
sexo etc. Não há paixões extra-literárias na sua existência.
Borges nasceu e viveu para as letras. Cresceu numa biblioteca,
seus pais o incentivaram a ser escritor, educou-se na Suíça, frequentou grupos literários na Espanha, foi colaborador de jornais
e revistas na Argentina.
Só teve um emprego fixo na vida. Durante nove anos foi funcionário de uma biblioteca de subúrbio. Passava os dias lendo e escrevendo. "Foram nove anos de contínua infelicidade", conta ele. Lá
escreveu, contudo, três de seus
contos inesquecíveis: "A Loteria
em Babilônia", "As Ruínas Circulares" e "A Morte e a Bússola".
Em 1946, com a subida de Juan
Domingo Perón ao poder, Borges
saiu da biblioteca: por ter apoiado
os aliados na Segunda Guerra
Mundial, foi "promovido" a inspetor de aves e coelhos de mercados municipais.
Borges se demitiu do cargo e
passou a viver de palestras. Falava
sobre budismo, poesia germânica
medieval, Cervantes, Blake, Heine, Dante etc. Percorreu o Uruguai e o interior da Argentina fazendo conferências. À medida
que sua cegueira avançava, tornava-se mais e mais um intelectual
oral. Em poesia, abandonou o
verso livre em favor das formas
clássicas, por mais fáceis de manejar oralmente e de decorar.
"Esse Ofício do Verso" ecoa os
anos que Borges viveu dando palestras. Com a diferença que as de
Harvard foram feitas em inglês. O
que nelas sobressai é a memória
extraordinária de Borges. Ele cita
de cor dezenas de poemas, passagens de peças, trechos de ensaios,
em inglês, espanhol, francês, alemão, grego e latim, e cita quase
200 autores em pouco mais de dez
páginas.
Essa fantástica erudição não se
organiza num todo coerente. Borges tem horror à teoria. Suas observações são de um leitor inteligente e idiossincrático, que passeia ao acaso pela história da literatura ocidental.
Tanto "Esse Ofício do Verso"
quanto "Um Ensaio Autobiográfico" não representam o melhor
de Borges. São trabalhos incidentais, compostos no seu período de
decadência. Eles têm algo de complacente e conformista.
Também não representam o
pior do escritor pelo bom motivo
que o argentino não tem "pior".
Tudo o que ele fez tem um nível
muito acima do médio. O melhor
de Borges está, nessa ordem, nos
contos, nas poesias, nos ensaios e,
por fim, na memorialística e nas
conferências.
Um Ensaio Autobiográfico
Autor: Jorge Luis Borges
Tradução: Maria Carolina de Araujo e
Jorge Schwartz
Editora: Globo
Quanto: R$ 17 (158 págs)
Esse Ofício do Verso
Autor: Jorge Luis Borges
Tradução: José Marcos Macedo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 20 (160 págs.)
Texto Anterior: Ângela Ro Ro lança novo CD e tenta mudar imagem Próximo Texto: "Febre de Bola" Primeiro livro de Hornby disseca loucura pelo futebol Índice
|