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Crítica/ficção
Pelevin recria o Minotauro na era da internet
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
O maior prazer na leitura
de "O Elmo do Horror
-0O Mito de Teseu e o
Minotauro", de Victor Pelevin,
advém de sua inusual abordagem -ora, vejam que raro- de
dilemas ancestrais da humanidade sob roupagem contemporânea. Essa observação sobre
escassez refere-se à constatação do óbvio: escritores em
proporções cada vez menores
procuram inventar novas formas narrativas. E Pelevin arrisca, utilizando-se daquele que
talvez seja o único gênero criado pela pós-modernidade: o
"chat".
Os personagens do autor russo nascido em 1962 discutem
apenas por meio de computadores, e toda a construção da
história se dá nesse ambiente
de conversação. Para o leitor (e
até mesmo aos personagens,
que não têm informações prévias a respeito das "pessoas"
com quem conversam) não fica
claro se são indivíduos reais
usando "nicknames" típicos da
internet (tais como Organizm,
Ugli 666, Monstradamus e
Nutscracker) ou entidades presas a um game virtual de gato e
rato.
Ao despertar, todos se encontravam isolados em quartos
idênticos e com computadores
à disposição, onde na tela luzia
o tema do "chat" iniciado por
Ariadna, "Construirei um labirinto, no qual poderei me perder com quem quiser me achar
- quem disse isso, e a propósito
de quê?".
Ariadna também é responsável por fornecer pistas aos interlocutores, descrevendo seus
estranhos sonhos com um ser
todo-poderoso chamado Asterisco (variação de "Astério", filho do rei Minos de Creta, mais
conhecido por Minotauro),
criador do lugar em que eles se
encontram confinados. A clausura também se estende ao
"chat", pois dele não se conecta
a lugar algum e não há fio de
Ariadna que os faça retornar à
sua meada de origem.
Conforme o debate se desenvolve percebe-se que não há
saída aos debatedores a não ser
a conjectura. Nesse ponto surge a melhor qualidade da prosa
irônica e rica em humor negro
de Victor Pelevin, a conversa
em tom filosófico num jogo de
multiplicação de perguntas e
respostas.
Essa maiêutica (o método socrático de investigação da verdade), apesar de revelar-se infrutífera como mecanismo detetivesco que sirva à libertação
dos personagens, é adotada por
Pelevin como boa desculpa para discutir aquele que é um de
seus temas prediletos (presente em seu livro anterior "Homo
Zapiens", ainda inédito por
aqui), a construção (ou derrocada) dos limites da realidade.
É lastimável, porém, que graças
à abstração exagerada, assunto
tão interessante culmine em
chatices incontornáveis na
maior parte do livro.
Sob outro aspecto, Pelevin
também desperdiça a oportunidade de aplicar literariamente aos diálogos o dialeto típico
dos "chats", fazendo com que as
vozes dos personagens, em vez
de se renderem à polifonia sugerida pela estrutura do romance, adquiram um mesmo
tom empobrecedor.
À monotonia de certas passagens sobrepõe-se, entretanto,
certas imagens divertidas do
Minotauro de patins usando
camiseta dos Chicago Bulls ou a
oportunidade de se conhecer o
que andam aprontando os jovens escritores russos.
JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de
"Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da
Palavra).
O ELMO DO HORROR - O MITO DE TESEU E O MINOTAURO
Autor: Victor Pelevin
Tradução: Bruno Gomide
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39 (224 págs.)
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