São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 2006

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Crítica/ficção

Pelevin recria o Minotauro na era da internet

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

O maior prazer na leitura de "O Elmo do Horror -0O Mito de Teseu e o Minotauro", de Victor Pelevin, advém de sua inusual abordagem -ora, vejam que raro- de dilemas ancestrais da humanidade sob roupagem contemporânea. Essa observação sobre escassez refere-se à constatação do óbvio: escritores em proporções cada vez menores procuram inventar novas formas narrativas. E Pelevin arrisca, utilizando-se daquele que talvez seja o único gênero criado pela pós-modernidade: o "chat".
Os personagens do autor russo nascido em 1962 discutem apenas por meio de computadores, e toda a construção da história se dá nesse ambiente de conversação. Para o leitor (e até mesmo aos personagens, que não têm informações prévias a respeito das "pessoas" com quem conversam) não fica claro se são indivíduos reais usando "nicknames" típicos da internet (tais como Organizm, Ugli 666, Monstradamus e Nutscracker) ou entidades presas a um game virtual de gato e rato.
Ao despertar, todos se encontravam isolados em quartos idênticos e com computadores à disposição, onde na tela luzia o tema do "chat" iniciado por Ariadna, "Construirei um labirinto, no qual poderei me perder com quem quiser me achar - quem disse isso, e a propósito de quê?".
Ariadna também é responsável por fornecer pistas aos interlocutores, descrevendo seus estranhos sonhos com um ser todo-poderoso chamado Asterisco (variação de "Astério", filho do rei Minos de Creta, mais conhecido por Minotauro), criador do lugar em que eles se encontram confinados. A clausura também se estende ao "chat", pois dele não se conecta a lugar algum e não há fio de Ariadna que os faça retornar à sua meada de origem.
Conforme o debate se desenvolve percebe-se que não há saída aos debatedores a não ser a conjectura. Nesse ponto surge a melhor qualidade da prosa irônica e rica em humor negro de Victor Pelevin, a conversa em tom filosófico num jogo de multiplicação de perguntas e respostas.
Essa maiêutica (o método socrático de investigação da verdade), apesar de revelar-se infrutífera como mecanismo detetivesco que sirva à libertação dos personagens, é adotada por Pelevin como boa desculpa para discutir aquele que é um de seus temas prediletos (presente em seu livro anterior "Homo Zapiens", ainda inédito por aqui), a construção (ou derrocada) dos limites da realidade. É lastimável, porém, que graças à abstração exagerada, assunto tão interessante culmine em chatices incontornáveis na maior parte do livro.
Sob outro aspecto, Pelevin também desperdiça a oportunidade de aplicar literariamente aos diálogos o dialeto típico dos "chats", fazendo com que as vozes dos personagens, em vez de se renderem à polifonia sugerida pela estrutura do romance, adquiram um mesmo tom empobrecedor.
À monotonia de certas passagens sobrepõe-se, entretanto, certas imagens divertidas do Minotauro de patins usando camiseta dos Chicago Bulls ou a oportunidade de se conhecer o que andam aprontando os jovens escritores russos.


JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra).

O ELMO DO HORROR - O MITO DE TESEU E O MINOTAURO   
Autor: Victor Pelevin
Tradução: Bruno Gomide
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39 (224 págs.)


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