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ROXY MUSIC & BRYAN FERRY
Arte e música pop de dentro do círculo vicioso
da Reportagem Local
Os primeiros segundos de "Re-Make Re-Model", primeiro rock
do primeiro álbum do Roxy Music -"Roxy Music", 1972- condensam toda a sua consistência,
agora passível de revisão pela reedição completa, em cópias remasterizadas e, numa tiragem especial, replicantes, em CD, das capas
originais, de papelão.
(Nada disso vale para o Brasil;
aqui, precisamos das importadoras, por enquanto única via de
acesso ao material; leia como adquirir no quadro abaixo.)
"Re-Make Re-Model" ostenta
sopros-buzinas, urbanidade chamuscada de timbres medievais,
letra banal, citações a "Ticket to
Ride", dos Beatles, a Rolling Stones, a Velvet Underground. É
uma colagem, e é a essência do
pop pós-moderno que então tomava corpo.
Um dos grandes álbuns dos 70,
"Roxy Music" é lotado de referências cinematográficas, de citações
a moda, estilo e comportamento,
de flashes de decadência e cafonice, de romantismo dilacerado
("Chance Meeting", meio um "Sinal Fechado", de Paulinho da
Viola, à inglesa, referencia um encontro casual para desferir, dramática às pampas, que "tempo
bem gasto é tão raro" -está inaugurada a era da impossibilidade).
A temática plástica/farsesca/
sarcástica se espraia por "For
Your Pleasure..." (73), talvez o
mais monumental dos discos
Roxy -e despedida da parceria
com Brian Eno.
Começa por "Do the Strand",
que forja uma pretensa nova dança -"strand"-, advogada de
acusação de tango, fandango, beguine, samba, valsa; e vai às alturas na demolidora "In Every
Dream Home a Heartache", em
que uma boneca inflável ("sua pele é como vinil", "boneca inflável/
meu papel é servi-la") é a amante
do narrador -primeiro apogeu
da era da impossibilidade.
Eno saindo, Ferry estréia solo
-e crooner- em "These Foolish
Things" (também 73), recantando repertório de Aretha Franklin,
Bob Dylan, Janis Joplin, Carole
King, Beach Boys, Stones, Beatles.
Cresce o ego, mas não sem razão.
O ano de 1973 continua, à toda.
"Stranded", terceiro LP da banda,
vem sedimentar a poesia muito
peculiar do já inflado cantor, quase sempre também compositor
muito peculiar. O disco, que contém das poucas referências diretas do RM a homossexualismo (os
"cruising boys" de "Street Life"), é
de viscoso imaginário simbolista.
Se aproximam, em mais de um
plano, o glam rock de lá e o nosso,
brasileiro, dos Secos & Molhados,
simbolistas até a carne vermelha.
"A Song for Europe", a mais
matadora canção de Ferry (com
Andrew Mackay), vem para assassinar. "O mundo é minha ostra/ mas é apenas uma concha
cheia de memórias", "não há hoje
para nós, não há nada para compartilharmos/ a não ser o passado", "por águas de seda/ minha
gôndola desliza/ e a ponte... ela
suspira", simboliza, em profundo
tratado sobre decadência.
O estilo Roxy parece se intimidar em "Country Life" (74), que
divide as atenções de Ferry com
mais um disco solo, o finíssimo
"Another Time, Another Place"
(74) em que amplia o raio roubando temas de Sam Cooke, The
Platters e, loucura, Willie Nelson.
"Siren" (75) é o canto de cisne
do RM como originalmente concebido, tendo como carros-chefes
a corajosa "Love Is the Drug" e, na
capa, vestida de sereia, Jerry Hall,
então abandonando Ferry para ficar com Mick Jagger -sim,
rock'n'roll também é bochicho.
Roxy Music em retração, Ferry
parte para "Let's Stick Together"
(76), em que o crooner prefere remodelar -sem muito fulgor- o
repertório de sua própria banda.
Seu solo seguinte, o esquisito e roqueiro "In Your Mind" (77), é o
primeiro em que canta apenas
músicas inéditas (e suas). Não
funciona, e o belo "The Bride
Stripped Bare" (78) tenta voltar
ao pique crooner, com versões reverentes de Al Green, Sam & Dave e, bingo, Velvet Underground.
Então o RM ressurge com "Manifesto" (79), o mais flácido de sua
história. "Flesh + Blood" (80) reconquista algum brilho, mas menos à custa de inéditas semipreciosas que do espírito Ferry de regravar Wilson Pickett e Byrds.
"Avalon" (82), o derradeiro disco de estúdio do grupo, inaugura
a vertente que garantiria a Ferry
sobrevida nos yuppies anos 80,
escorrendo mel por "More Than
This", "Avalon" e "While My
Heart Is Still Beating", deliciosas a
distância, mas perigosas então.
Assim são os solos seguintes,
"Boys and Girls" (85) e "Bête Noire" (87), inéditos na íntegra e impregnados de publicidade e cana-de-açúcar. O esgotamento não
tardou, calando Ferry por seis
anos até o injustiçado "Taxi" (93).
Este, retomando os termos do início de sua carreira de cantor, oculta inspiração de alta voltagem, em
mortíferas, amortecedoras versões de Elvis Presley, gospel e a
canção de partida do conceito
RM, "All Tomorrow's Parties"
(67, Velvet Underground).
De volta aos inéditos, soou perdido em "Mamouna" (94) e, de
volta ao retorno, regride mais ainda no CD de canções dos primeiros anos 20, recém-lançado. Não
há fecho de ciclo, tudo parece um
sufocante círculo vicioso. É que
romantismo -que dirá o pós-moderno?- por vezes entontece
o homem. Bryan Ferry talvez fosse o último dos pop-românticos.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
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