São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2000


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FESTIVAL DE TEATRO
Curitiba experimenta "perspectiva da franja"

Divulgação
Elenco da Cia. Ueinzz, de São Paulo, que vai encenar a peça "Dédalus" na mostra "incluídos" do 9º Festival de Teatro de Curitiba


VALMIR SANTOS
da Redação

Grande holofote das artes cênicas brasileiras, o Festival de Teatro de Curitiba (FTC) adota em sua 9ª edição, de 16 a 26 de março, o que pode ser considerada uma "perspectiva da franja". Além de ampliar em 15 o número de peças na bem-sucedida mostra do Fringe (46 atuais contra 31 no ano passado), o evento lança uma brecha para os "incluídos", como foi batizada a seleção de três espetáculos interpretados, respectivamente, por atores que passam por tratamento mental, têm origem cigana ou aprenderam o ofício à margem da periferia.
As montagens "incluídas" - trocadilho com exclusão- são "Dédalus - Teatro do Inconsciente", com a Cia. Teatral Ueinzz (SP), "Além da Lenda", com a organização não-governamental Associação Brasileira de Preservação da Cultura Cigana (PR), e "Uma Baleia Perto da Lua", com a Cia. Pombas Urbanas (SP).
Formada por 20 usuários do Instituto para o Desenvolvimento da Saúde Mental e Psicossocial A Casa, localizado no bairro da Aclimação, em São Paulo, a Cia. Ueinzz encena um espetáculo que trata do mito de Dédalo, o construtor do labirinto do Minotauro, e promove um cruzamento com o périplo de Orfeu ao inferno, em busca de Eurídice.
"O teatro se insere sob o ponto de vista artístico, não terapêutico", explica o co-diretor Sérgio Penna, 44. "Simplesmente estou lá abrindo uma possibilidade, travando uma relação com a criação artística." Boa parte do texto nasceu da própria experiência dos intérpretes. Foram agregados ainda poemas de Hesíodo, Maiakóvski e Leminski.
Renato Cohen, 42, que também assina a direção, destaca a simbiose dos mitos gregos com a história pessoal dos próprios atores. "A grande idéia do espetáculo é a do labirinto, da descida ao inferno para depois emergir", afirma.
Os atores são tratados segundo modelo de hospital-dia (retornam para casa à noite) e frequentam os ensaios da Cia. Ueinzz uma vez por semana. A onomatopéia é uma referência ao som gutural emitido por um dos integrantes nos primeiros exercícios teatrais, há três anos, que deram origem ao espetáculo "Ueinzz -Viagem a Babel". O segundo trabalho da companhia, "Dédalus", cumpriu duas curtas temporadas em São Paulo no ano passado.
Naquele mesmo ano, a 8ª edição do Festival Internacional de Artes Cênicas (Fiac), de Ruth Escobar, anunciava um painel representativo da dança e da música cigana. É para fazer-lhe oposição que uma ONG curitibana vai apresentar "Além da Lenda - Exposição Itinerante de Cultura Cigana".
"A Ruth se apropriou indevidamente da nossa cultura, como a Globo fez na novela "Explode Coração", que mostrava um cigano analfabeto andando numa Mercedes", critica o autor Cláudio Domingos Iovanovitchi, 42, presidente da Associação de Preservação da Cultura Cigana.
A peça conta a história de um cigano que é preso e submetido a interrogatório. Para Iovanovitchi, trata-se de uma metáfora do isolamento que a comunidade cigana sofreu ao longo da história.
"Os negros foram "libertados" há apenas 100 anos, os índios continuam submetidos à tutela do Estado e os ciganos seguem discriminados porque "roubam crianças, pegam a roupa no varal"... Pensei que a única condição para ganhar a cidadania no Brasil fosse o fato de ter nascido aqui, mas me enganei", argumenta.
A ONG atua na capital paranaense há seis anos. Existem atualmente cerca de 250 ciganos fixos na cidade. "Em todo o Brasil, somos mil nômades sem direito a cidadania", afirma o diretor.
Na terceira peça "incluída" do FTC, "Uma Baleia Perto da Lua", o diretor e autor Lino Rojas diz ter criado uma "minitragédia". A narrativa se desenvolve sob o ponto de vista de crianças que habitam uma cidade imaginária e compartilham sexo, droga, fome, violência e loucura cotidiana.
"A Louca é personagem central da história e cria uma realidade que espelha os problemas do Brasil. Não é uma história de crianças abandonadas, mas de um Brasil abandonado", explica Rojas, 57.
A Cia. Pombas Urbanas, que também está na mostra principal do festival com o espetáculo de rua "Mingau de Concreto", iniciou sua trajetória uma década atrás em São Miguel, bairro da zona leste paulistana, onde nasceu boa parte dos 11 atores para quem o ronco da fome cultural soou mais forte.


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