São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 2001

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LIVROS/LANÇAMENTOS

Obra reúne correspondência do poeta com Bandeira e Drummond

Como Cabral descobriu a poesia


Conjunto de 104 cartas, postais e telegramas reunido por Flora Süsskind mostra a relação do jovem autor de "Morte e Vida Severina" com os dois escritores já consagrados


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Nossa Senhora das Correspondências está cheia da graça. Boa parte das cartas, postais e telegramas que ela permitiu que os três maiores poetas brasileiros do século recém-dobrado trocassem entre si está virando livro.
"Correspondência de Cabral com Bandeira e Drummond" é o nome da "bênção", que chega às livrarias no dia 5 de março.
O volume traz 104 cartas permutadas por João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade nas décadas de 40 e 50 (com exceção de um rascunho de bilhete de Drummond a Cabral, de 1984). Cabral é o eixo. Todas são dele ou para ele.
O material foi garimpado por Flora Süsskind, crítica literária e pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa (RJ), onde estão os acervos de Bandeira e Drummond. Foi de lá, e de pastas guardadas pela primeira mulher de Cabral, Stela, que Süsskind extraiu as cartas.
Leia a seguir trechos de uma entrevista epistolar (só que feita pelo correio eletrônico) em que a organizadora da empreitada adianta características de sua obra.

Folha - O que o modo de escrever cartas de Bandeira, Cabral e Drummond revela sobre seus estilos como poetas?
Flora Süsskind -
A reserva evidente de Drummond, a tendência, por vezes, ao fragmento ensaístico, nas cartas de Cabral, a vasta curiosidade, o tom de conversa de Bandeira parecem apontar para alguns traços característicos deles. Para a distância e a perspectiva auto-irônica simultaneamente conjugadas e em contraste com o memorialismo e a presença autoral na poesia de Drummond. Para a poesia crítica de Cabral. Para a extensão do interesse intelectual de Bandeira, sua atenção às coisas do mundo, para a dicção simples da sua poesia.

Folha - Quais são os assuntos predominantes na correspondência?
Süsskind -
Os próprios livros, poemas, a experiência literária de cada um, são assuntos básicos das cartas. Há Cabral comentando "O Bicho", de Bandeira, os "Contos de Aprendiz", de Drummond. Há Bandeira falando sobre "O Cão sem Plumas", de Cabral. E outros comentários mutuamente críticos. Cabral trata da literatura espanhola, catalã, das corridas de touros, de seu interesse por Miró. Bandeira registrando a vida literária brasileira, criticando a retórica de Neruda. Drummond comentando o processo por subversão a que Cabral é submetido.

Folha - As cartas revelam alguma passagem importante e desconhecida da biografia de algum deles?
Süsskind -
Não há propriamente revelações. Há curiosidades, fatos não tão conhecidos, preferências significativas. As dúvidas de Cabral na época da publicação do primeiro livro. A carta de Drummond incentivando a publicação de Cabral. Apesar de conhecido o trabalho de Cabral como impressor, é interessante acompanhar o surgimento e as produções de "O Livro Inconsútil" (selo que ele usava para os livros que ele editou em Barcelona).

Folha - Bandeira foi professor de colégio e universidade públicos. Drummond foi funcionário do Ministério da Educação. Cabral trabalhou no Departamento Administrativo do Serviço Público e na diplomacia. Como a correspondência entre eles refletia a ligação que tinham com seus empregos públicos?
Süsskind -
Bandeira não teve a experiência do cotidiano burocrático, da repartição pública, como Drummond e Cabral. Esse cotidiano propiciaria a intensificação dos contatos entre os dois poetas. Inclusive epistolares. Daí os muitos bilhetes de repartição, poema em papel timbrado, pequenos lembretes. Há um conjunto poético tematizando o funcionário, a repartição. Esse cotidiano burocrático tem muita força também na ficção de Graciliano Ramos, na poesia contemporânea de um Francisco Alvim. É um aspecto importante a considerar num país de intelectuais-funcionários públicos como o Brasil.

Folha - Existe algum poema inédito nas cartas?
Süsskind -
Há poemas não incluídos em livro por Cabral na correspondência com Drummond. Mas foram divulgados nos "Cadernos de Literatura Brasileira", do Instituto Moreira Salles.
Há as traduções de poesia catalã enviadas por Cabral a Bandeira, material, a meu ver, de muito interesse. Não só pelo próprio trabalho de tradução. Mas porque a seleção de poetas e poemas traduzidos também documenta o pensamento de Cabral sobre poesia na época. Incluí, também, na edição da correspondência, as traduções do catalão publicadas por Cabral na "Revista Brasileira de Poesia". Além de um texto sobre Segall, uma resenha curiosa sobre Lêdo Ivo, e algumas primeiras versões de poemas seus.


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