|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS/LANÇAMENTOS
Obra reúne correspondência do poeta com Bandeira e Drummond
Como Cabral descobriu a poesia
Conjunto de 104 cartas, postais e telegramas reunido por Flora Süsskind mostra a relação do jovem autor de "Morte e Vida Severina" com os dois escritores já consagrados
|
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Nossa Senhora das Correspondências está cheia da graça. Boa
parte das cartas, postais e telegramas que ela permitiu que os três
maiores poetas brasileiros do século recém-dobrado trocassem
entre si está virando livro.
"Correspondência de Cabral
com Bandeira e Drummond" é o
nome da "bênção", que chega às
livrarias no dia 5 de março.
O volume traz 104 cartas permutadas por João Cabral de Melo
Neto, Manuel Bandeira e Carlos
Drummond de Andrade nas décadas de 40 e 50 (com exceção de
um rascunho de bilhete de Drummond a Cabral, de 1984). Cabral é
o eixo. Todas são dele ou para ele.
O material foi garimpado por
Flora Süsskind, crítica literária e
pesquisadora da Fundação Casa
de Rui Barbosa (RJ), onde estão
os acervos de Bandeira e Drummond. Foi de lá, e de pastas guardadas pela primeira mulher de
Cabral, Stela, que Süsskind extraiu as cartas.
Leia a seguir trechos de uma entrevista epistolar (só que feita pelo
correio eletrônico) em que a organizadora da empreitada adianta
características de sua obra.
Folha - O que o modo de escrever
cartas de Bandeira, Cabral e Drummond revela sobre seus estilos como poetas?
Flora Süsskind - A reserva evidente de Drummond, a tendência, por vezes, ao fragmento ensaístico, nas cartas de Cabral, a
vasta curiosidade, o tom de conversa de Bandeira parecem apontar para alguns traços característicos deles. Para a distância e a perspectiva auto-irônica simultaneamente conjugadas e em contraste
com o memorialismo e a presença
autoral na poesia de Drummond.
Para a poesia crítica de Cabral. Para a extensão do interesse intelectual de Bandeira, sua atenção às
coisas do mundo, para a dicção
simples da sua poesia.
Folha - Quais são os assuntos predominantes na correspondência?
Süsskind - Os próprios livros,
poemas, a experiência literária de
cada um, são assuntos básicos das
cartas. Há Cabral comentando "O
Bicho", de Bandeira, os "Contos
de Aprendiz", de Drummond. Há
Bandeira falando sobre "O Cão
sem Plumas", de Cabral. E outros
comentários mutuamente críticos. Cabral trata da literatura espanhola, catalã, das corridas de
touros, de seu interesse por Miró.
Bandeira registrando a vida literária brasileira, criticando a retórica
de Neruda. Drummond comentando o processo por subversão a
que Cabral é submetido.
Folha - As cartas revelam alguma
passagem importante e desconhecida da biografia de algum deles?
Süsskind - Não há propriamente
revelações. Há curiosidades, fatos
não tão conhecidos, preferências
significativas. As dúvidas de Cabral na época da publicação do
primeiro livro. A carta de Drummond incentivando a publicação
de Cabral. Apesar de conhecido o
trabalho de Cabral como impressor, é interessante acompanhar o
surgimento e as produções de "O
Livro Inconsútil" (selo que ele
usava para os livros que ele editou
em Barcelona).
Folha - Bandeira foi professor de
colégio e universidade públicos.
Drummond foi funcionário do Ministério da Educação. Cabral trabalhou no Departamento Administrativo do Serviço Público e na diplomacia. Como a correspondência entre eles refletia a ligação que tinham com seus empregos públicos?
Süsskind - Bandeira não teve a
experiência do cotidiano burocrático, da repartição pública, como Drummond e Cabral. Esse cotidiano propiciaria a intensificação dos contatos entre os dois
poetas. Inclusive epistolares. Daí
os muitos bilhetes de repartição,
poema em papel timbrado, pequenos lembretes. Há um conjunto poético tematizando o funcionário, a repartição. Esse cotidiano
burocrático tem muita força também na ficção de Graciliano Ramos, na poesia contemporânea
de um Francisco Alvim. É um aspecto importante a considerar
num país de intelectuais-funcionários públicos como o Brasil.
Folha - Existe algum poema inédito nas cartas?
Süsskind - Há poemas não incluídos em livro por Cabral na
correspondência com Drummond. Mas foram divulgados nos
"Cadernos de Literatura Brasileira", do Instituto Moreira Salles.
Há as traduções de poesia catalã
enviadas por Cabral a Bandeira,
material, a meu ver, de muito interesse. Não só pelo próprio trabalho de tradução. Mas porque a
seleção de poetas e poemas traduzidos também documenta o pensamento de Cabral sobre poesia
na época. Incluí, também, na edição da correspondência, as traduções do catalão publicadas por
Cabral na "Revista Brasileira de
Poesia". Além de um texto sobre
Segall, uma resenha curiosa sobre
Lêdo Ivo, e algumas primeiras
versões de poemas seus.
Texto Anterior: "Qorpo Santo" Livro desencava bobagens do autor Próximo Texto: Uma carta Índice
|