São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 2001

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UMA CARTA

"Difícil ser funcionário/ Nesta segunda-feira/Eu te telefono, Carlos,/Pedindo conselho.

Não é lá fora o dia/Que me deixa assim,/Cinema, avenidas/E outros não-fazeres.

É a dor das coisas,/O luto desta mesa;/É o regimento proibindo/ Assovios, versos, flores.

eu nunca suspeitaria/ Tanta roupa preta;/ Tão pouco essas palavras-/ Funcionárias, sem amor. Carlos, há uma máquina/ Que nunca escreve cartas;/ Há uma garrafa de tinta/ Que nunca bebeu álcool.

E os arquivos, Carlos,/ As caixas de papéis:/ Túmulos para todos/ Os tamanhos de meu corpo.

Não me sinto correto/ De gravata de cor,/ E na cabeça uma moça/ Em forma de lembrança.

Não encontro a palavra/ Que diga a esses móveis./ Se os pudesse encarar.../ Fazer seu nojo meu...

Carlos, dessa náusea/ Como colher a flor?/Eu te telefono, Carlos,/Pedindo conselho."


Carta-poema enviada em 29/9/43 por João Cabral de Melo Neto a Carlos Drummond de Andrade em papel timbrado do Departamento Administrativo do Serviço Público, órgão da Presidência da República, no qual Cabral começava a trabalhar

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