São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
NINA HORTA Um velho diário de menina
FRAGMENTO VELHO de um diário de menina, que achei por um acaso. "Minha mãe era cozinheira lá fazia questão de ser cozinheira boa e tudo, e me lembro, era pequena mas podia ajudar, no Natal ela fazia capeletti e cada pessoa ia um pouco na cozinha ajudava assim parecia uma coisa saindo da fábrica, a graça era essa. Sabe quando um faz uma coisa passa pro outro, pro outro e tudo vai acontecendo depressa e dá quase uma zonzera. Eu chegava correndo da escola e só dava tempo de tirar o uliforme e voar para encontrar com as pessoas e neste dia nem fazia a lição nem nada e ninguém perguntava ainda bem. Para falar a verdade ela fazia a massa com farinha de trigo bem branca e muito ovo, a massa se espalhava fininha, parecia uma toalha de mesa das grandona, batia e batia e batia antes, até suava e depois separava em grandes pedaço e cobria com um pano para não ficar seca. E ainda fazia o recheio, que ela dizia que era a coisa mais fácil e ficava catando ervinha na horta punha o que achava mas achava quase sempre a mesma coisa que era o que a gente plantava lá. Eu só sentia o cheiro que acho que não levava carne da galinha nem de outro bicho, só os miúdos acho porque eu gostava mais da hora que estava todo mundo junto e não reparava muito nestas horas de antes. Depois da massa e do recheio era a hora divertida e muito trabalhosa. Neste pedaço é que eu chegava. Minha mãe abria a massa numa mesa lá fora e a gente sentava na volta. A minha mãe cortava a massa em fitas grossas que ia passando pra frente e outros cortavam com a forminha de cortar. E nós todos muito prestando atenção com a língua no meio dos dentes para andar depressa sem errar. A gente é que fazia as bolinhas do recheio, tinha que ser tudo igual punha no meio da massa e fechava o que é difícil de explicar com um nozinho assim atravessado para ficar parecendo um chapéu bem pequeno. Ela tinha me ensinado a fechar que era o mais difícil, pegava a massa aberta de rodinha, dobrava feito meia lua, assim, fechava, vou te mostrar, dava um beliscão, ficava como um nozinho, assim, e o capelete estava pronto. O caldo super especial feito com galinha caipira, não sei o que eu sei é que o capelete da minha mãe era famoso e ela era preta, nem italiana era, que já era da minha avó e da minha bisavó que tinham aprendido de italiano e então era uma coisa muito bacana de família e a gente se misturava com os patrões que saiam de onde estavam para ajudar ou para ver, muitos nem aguentava e iam embora na metade, e o capelete ficava com mão de todo mundo tinha que fazer mil, dois mil, porque se faz a conta de vinte por pessoa que é muito mas não pode faltar. Na casa tinha de tudo no Natal peru e tender mas não tinha Natal se não tinha capelete da minha mãe embrodo, então as pessoas falam você come primeiro o capelete, então as pessoas começou pelo capelete ai come tudo que tivé, pernil, peru, sei lá o que tivé, e acaba com o capelete. Tem gente que começa pelo capelete e acaba pelo capelete e come para se despedi porque durante o ano não tem capelete embrodo, que é o que faz o natal ser natal, entendeu?" ninahorta@uol.com.br Texto Anterior: Saúde: Consumido com moderação, ovo não faz mal Próximo Texto: Crítica restaurante: Versão paulistana deixa a desejar Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |