São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 2000


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Bob Dylan defende condenado em "Hurricane"

THALES DE MENEZES
especial para a Folha

Em 1974, uma cópia do livro autobiográfico do lutador de boxe Rubin "Hurricane" Carter chegou às mãos de Bob Dylan. O cantor e compositor já acompanhava o caso desde a década de 60, participando de pelo menos duas manifestações contra a decisão judicial, mas foi o depoimento do condenado que balançou Dylan a ponto de inspirar uma canção.
E que canção. Faixa do álbum "Desire", para muita gente o melhor disco de Dylan nos anos 70, "Hurricane" é longa narrativa sobre a prisão e a condenação do lutador, defendendo sua inocência.
A letra, que tem 99 versos, conta o que aconteceu, mantendo um olhar crítico sobre os depoimentos de Alfred Bello e Arthur Dexter Bradley, as mais que suspeitas testemunhas que deram a base de sustentação para a sentença imposta a Rubin Carter.
A citação dos nomes das testemunhas na letra da música deixou de cabelo em pé os executivos da CBS, gravadora de Dylan. O receio de algum processo contra a empresa resultou na contratação de um perito que teve a missão de confrontar a letra da música com os depoimentos das testemunhas e as transcrições do julgamento.
Depois disso, a gravadora pediu a Dylan que alterasse seis versos, para que eles seguissem a versão oficial do caso. A letra original contava que Arthur Bradley disse aos policiais que "estava no local naquela noite para ver o que poderia roubar ("I just came this place tonight to see what I could steal"), mas Dylan tirou a citação da boca da testemunha e colocou um verso dizendo que Bello e Bradley estavam lá para ver o que estava rolando.
Outro verso modificado é a frase atribuída a Patty Valentine, que encontrou os corpos das vítimas. No original de Dylan, ela olhava para o barman e gritava: "Meu Deus! Eles mataram meu amorzinho" ("My God, they killed my baby boy"). Na nova versão, ficou "Meu Deus, todos estão mortos", porque os advogados de Carter não conseguiram provar que ela e o barman namoravam.
Apesar de sua forte aura de contestador, mais do que justificada, Dylan aceitou passivamente as orientações da gravadora porque não queria correr o risco de uma briga que o fizesse devolver o adiantamento recebido pelo disco. As finanças do cantor não estavam em boa situação na época.
Dylan escreveu a canção em parceria com Jacques Levy, grande nome do teatro Broadway e off-Broadway nos anos 70 e 80. Um dos maiores sucessos que escreveu também estourou no Brasil, o badalado "Oh! Calcutá!".
Amigo de Dylan e de outros roqueiros -Byrds, Eagles, Bruce Springsteen-, Levy acabaria escrevendo parte de muitas letras de "Desire" e por pouco não convenceu Dylan a mudar seus planos.
Levy chegou a achar que a história de Rubin Carter renderia um grande musical e tentou convencer Dylan a escrever as canções de "Hurricane", a ópera-rock.
No entanto, Dylan achou que Levy poderia transformar tudo num grande circo e desistiu, concentrando seus esforços na canção, uma das mais contundentes de sua longa carreira.


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