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Bob Dylan defende condenado em "Hurricane"
THALES DE MENEZES
especial para a Folha
Em 1974, uma cópia do livro autobiográfico do lutador de boxe
Rubin "Hurricane" Carter chegou às mãos de Bob Dylan. O cantor e compositor já acompanhava
o caso desde a década de 60, participando de pelo menos duas manifestações contra a decisão judicial, mas foi o depoimento do
condenado que balançou Dylan a
ponto de inspirar uma canção.
E que canção. Faixa do álbum
"Desire", para muita gente o melhor disco de Dylan nos anos 70,
"Hurricane" é longa narrativa sobre a prisão e a condenação do lutador, defendendo sua inocência.
A letra, que tem 99 versos, conta
o que aconteceu, mantendo um
olhar crítico sobre os depoimentos de Alfred Bello e Arthur Dexter Bradley, as mais que suspeitas
testemunhas que deram a base de
sustentação para a sentença imposta a Rubin Carter.
A citação dos nomes das testemunhas na letra da música deixou de cabelo em pé os executivos
da CBS, gravadora de Dylan. O receio de algum processo contra a
empresa resultou na contratação
de um perito que teve a missão de
confrontar a letra da música com
os depoimentos das testemunhas
e as transcrições do julgamento.
Depois disso, a gravadora pediu
a Dylan que alterasse seis versos,
para que eles seguissem a versão
oficial do caso. A letra original
contava que Arthur Bradley disse
aos policiais que "estava no local
naquela noite para ver o que poderia roubar ("I just came this
place tonight to see what I could
steal"), mas Dylan tirou a citação
da boca da testemunha e colocou
um verso dizendo que Bello e Bradley estavam lá para ver o que estava rolando.
Outro verso modificado é a frase atribuída a Patty Valentine, que
encontrou os corpos das vítimas.
No original de Dylan, ela olhava
para o barman e gritava: "Meu
Deus! Eles mataram meu amorzinho" ("My God, they killed my
baby boy"). Na nova versão, ficou
"Meu Deus, todos estão mortos",
porque os advogados de Carter
não conseguiram provar que ela e
o barman namoravam.
Apesar de sua forte aura de contestador, mais do que justificada,
Dylan aceitou passivamente as
orientações da gravadora porque
não queria correr o risco de uma
briga que o fizesse devolver o
adiantamento recebido pelo disco. As finanças do cantor não estavam em boa situação na época.
Dylan escreveu a canção em
parceria com Jacques Levy, grande nome do teatro Broadway e
off-Broadway nos anos 70 e 80.
Um dos maiores sucessos que escreveu também estourou no Brasil, o badalado "Oh! Calcutá!".
Amigo de Dylan e de outros roqueiros -Byrds, Eagles, Bruce
Springsteen-, Levy acabaria escrevendo parte de muitas letras de
"Desire" e por pouco não convenceu Dylan a mudar seus planos.
Levy chegou a achar que a história de Rubin Carter renderia um
grande musical e tentou convencer Dylan a escrever as canções de
"Hurricane", a ópera-rock.
No entanto, Dylan achou que
Levy poderia transformar tudo
num grande circo e desistiu, concentrando seus esforços na canção, uma das mais contundentes
de sua longa carreira.
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