São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 2000


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EUA "MISSÃO: MARTE"
Brian De Palma está perdido no espaço

ELVIS MITCHELL
do "The New York Times"

Como em "Apollo 13", Gary Sinise vê sua equipe indo ao espaço sem ele. Em "Missão: Marte" (estréia prevista no Brasil em 28 de abril), ele é Jim, um astronauta moroso sofrendo com a morte da mulher, e essa depressão o torna um candidato pouco plausível para a missão a Marte.
"Ele é bom", explica o comandante Woody Blake (Tim Robbins), "mas não para isso..."
Todos os personagens -o elenco inclui Don Cheadle, Connie Nielsen e Armin Müller-Stahl, cujo nome não aparece nos créditos- são bons sujeitos, muito cooperativos -a ponto de serem difíceis de distinguir uns dos outros. O diretor Brian De Palma os expõe em perfil nobre com tamanha frequência que você acaba imaginando quando as moedas comemorativas serão cunhadas.
"Missão: Marte" decola com estrondo e humor, em meio ao rugido de um foguete lançado aos céus. Quando ele explode, enche o céu de confetes e a câmera recua e mostra um churrasco em um quintal, onde os felizes astronautas da Nasa discutem a missão iminente a Marte.
De Palma adora dançar com os recursos do cinema e demonstrar que qualquer movimento, de um rodopio rápido a um arabesco atlético, pode ser realizado imediatamente com uma câmera. Mas, dessa vez, parece ter perdido sua capacidade de misturar climas. "Missão: Marte" é um apelo à compreensão, um pedido de irmandade. É um monumento da nova era à moda de "Contato", de Robert Zemeckis, um filme sobre o contato com inteligências extraterrenas, mas, em termos emocionais, De Palma está perdido no espaço.
"Missão: Marte" poderia ser o "O Segredo do Abismo" de De Palma. O filme de James Cameron, por sua vez, era uma tentativa marítima de retomar os temas de "2001: Uma Odisséia no Espaço", de Stanley Kubrick, de um ponto de vista benévolo. Em "O Segredo do Abismo" , uma inteligência alienígena estende ao homem o tentáculo da amizade.
De Palma dispara rumo ao espaço tendo objetivo semelhante, acompanhado por um grupo de escritores que inclui Graham Yost, de "Velocidade Máxima", e outros roteiristas com experiência de produção, como Ted Tally ("O Silêncio dos Inocentes") e David Goyer ("Blade"), ainda que boa parte do filme pareça ter sido concebida pelo diretor. Não seria preciso tanta gente para conceber diálogos como "mas um desgaste dessa dimensão jamais foi testado no espaço!"
Já fez muito tempo que um cozido tão grandiloquente de majestade e burrice se recusa a decolar na tela grande: provavelmente desde "O Segredo do Abismo", no qual o maior desejo de James Cameron era provar às platéias que ele não era apenas um diretor de filmes de gênero. O dom de De Palma é sua capacidade de adaptar os rígidos limites dos gêneros às suas necessidades, inflando o conteúdo dos filmes de aventura até que você exploda em gargalhadas ou se sinta a um só tempo comovido e apavorado.
Ele já foi acusado de ser inexpressivo, mas o problema com esse filme é seu fascínio completo pelo tema. Há um clima de sonho, de "saia à procura de sua felicidade" que não cairia mal em um seminário de auto-ajuda de Deepak Chopra ou em um disco do Mannheim Steamroller.
A direção de arte é espetacular, e as cenas passadas na superfície de Marte parecem tão reais que é como se tivessem sido filmadas em locação. Uma sequência holográfica detalhando a ligação evolutiva entre a Terra e Marte é brilhantemente encenada. Mas mesmo nesses momentos, o filme sofre devido ao emocionalismo piegas, muito pouco característico de seu trabalho, que De Palma exibe. Ele chega a usar um alienígena padronizado, longilíneo e frágil e agrava o clichê ainda mais quando uma lágrima solitária rola pelo -bem, acho que o nome tem de ser rosto- do ET e lá se deixa filmar, brilhante, num momento de emoção barata.
O filme todo, aliás, não oferece qualquer originalidade, e a trilha sonora é repetitiva a ponto de parecer ter sido obtida por download direto da "EnnioMorricone.com". Toda essa esforçada sinceridade deriva da tentativa baldada de criar um senso de emoção reverente nos adultos, derivada da redescoberta de sua humanidade por Jim quando ele é recrutado, mais tarde, para comandar uma missão de resgate.
A paciência pensativa de Sinise, nessa situação, o faz parecer um pouco paradão, ainda que não tanto quanto o filme, que em termos narrativos parece estar acontecendo num ambiente de gravidade zero, e cada minuto parece durar pelo menos 90 segundos. No espaço, ninguém ouve os roncos.
Nos EUA, "Missão: Marte" tem a classificação PG (orientação paterna sugerida). Inclui diálogos adultos e cenas de violência.


Tradução Paulo Migliacci


Filme: Missão: Marte (Mission to Mars)
Diretor: Brian De Palma
Produção: EUA, 2000
Com: Gary Sinise (Jim McConnell), Tim Robbins (Woody Blake), Don Cheadle (Luke Graham), Connie Nielsen (Terri Fisher), Jerry O'Connell (Phil Ohlmyer), Peter Outerbridge (Sergei Kirov), Kavan Smith (Nicholas Willis), Kim Delaney (Maggie McConnell) e Armin Müeller-Stahl (diretor da Nasa)
Roteiro: Jim Thomas, John Thomas e Graham Yost, baseado em história de Lowell Cannon e dos irmãos Thomas
Equipe técnica: direção de fotografia de Stephen H. Burum;editado por Paul Hirsch; música de Ennio Morricone; direção de arte de Ed Verreaux; produção de Tom Jacobson, David Goyer, Justis Greene, Jim Wedaa e Ted Tally; distribuição Buena Vista International
Duração: 113 minutos


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