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"Axé virou apelação e todo mundo foi atrás"
do enviado a Salvador
Leia a seguir a continuação da
entrevista com Roberto Sant'Ana,
em que ele fala dos males do mercado fonográfico e da supremacia
da axé music.
(PAS)
Folha - Em 70 você mudou para o Rio por quê?
Roberto Sant'Ana - A convite
de André Midani, que dirigia a
Philips, onde estavam Gil, Caetano, todos. Fui coordenador de
produção e diretor artístico, de 75
e 81. André foi e é o grande homem do disco, um homem que
ama a música e respeita o artista.
Os diretores de gravadora de hoje
não têm o nível dele. Não gostam
de música, gostam de mercado.
Não gostam de artista, gostam de
produto.
Folha - Nesse setor, os líderes
não se renovaram, e os antigos
foram desaparecendo. É um
processo irreversível?
Sant'Ana - Não acho. Tem de
mudar a política. Gravadora tem
responsabilidade com a cultura
musical, não pode ter produtos
imediatistas. Você pode negar
que o Brasil é cheio de talentos? O
movimento pernambucano é melhor que o baiano, e a indústria
não quer saber, porque precisa fazer hoje para vender amanhã.
Sabe quando isso vai mudar?
No dia em que o governo parar de
dar o incentivo do ICMS. Essa é
uma lei que foi criada para beneficiar o disco produzido no Brasil,
de artistas que dessem prejuízo à
gravadora -os artistas davam
prejuízo até o segundo, terceiro
disco, é assim mesmo. Hoje foi estendido a todos os produtos.
De onde a gravadora vai tirar dinheiro para pagar jabá, que é o
que matou tudo? Quem paga jabá
é o próprio governo, com esses
benefícios. Os discos são todos fabricados no Rio e em São Paulo,
são mandados produtos semi-acabados para Manaus, onde são
embalados. Aí vem "fabricado em
Manaus" e não paga IPI. Nada é
fabricado em Manaus. Havia toda
uma política de manter o preço
do disco a 10% do salário mínimo.
Qual é o preço do disco na loja hoje? De 20 a 25% do salário mínimo. Por que tanto aumento, se é
beneficiado pelo ICMS e pelo IPI?
Quem vai comprar? Se tirar os incentivos, as empresas vão falir,
mas deixa falir. Quem tem competência se estabelece.
Folha - Por que você e Elis Regina eram brigados?
Sant'Ana - Elis morreu minha
inimiga. Por eu ser baiano, ela
achava que eu prestigiava os baianos e não prestigiava ela. Mas tenho tudo dela, adorava. Minha
briga com ela teve a razão mais
imbecil. Ela não podia brigar com
Gal, Bethânia, sobrou para mim.
Já brigados, gravou um disco,
logo após o show "Falso Brilhante", que havia sido o grande apogeu da carreira dela. Esperávamos
um novo "Falso Brilhante", um
disco alegre, festivo, e chegou um
disco que era um enterro. Perguntamos se podíamos mexer, ela
disse que em nada. Em um mês
"Transversal do Tempo" já havia
batido "Falso Brilhante", e os lojistas pediam reposição. Eu estava
absolutamente errado.
Folha - Jair Rodrigues, que era
próximo de Elis, deu a entender
em entrevista à Folha que você
o prejudicava na gravadora.
Sant'Ana - Jair foi muito injusto
e já me pediu desculpas. Somos
amigos, dirigi vários shows para
ele na Europa. Ele acha que eu
prejudicava ele porque dava as
músicas para Alcione e tal. Nunca
tirei uma música de Jair, juro pela
felicidade de meus filhos, que são
muitos. Ele reconheceu. É um
grande intérprete de samba, era o
principal sambista da gravadora.
Folha - Por que você saiu da
grande indústria nos anos 80?
Sant'Ana - Saí porque queria
montar meu próprio negócio e
não me dava bem com a forma de
agir de alguns diretores. Abri o selo Nova República com José Vicente Brizola, filho de Leonel Brizola. Cheguei a um circo em Ondina, em 85, e encontrei um cara
cantando para 5.000 pessoas.
Comprei seu disco pronto, era
Luiz Caldas. Com ele, sustentei a
PolyGram com minha etiqueta
por um ano e meio, quando a gravadora não estava vendendo nada. Hoje comemoram os 15 anos
da axé music, consideram esse
lançamento a data magna do axé.
Folha - Você inventou a axé
music com Luiz Caldas?
Sant'Ana - Não, não. Luiz é um
grande músico, mas o axé depois
tomou um caminho dúbio, de
música sem qualidade. Nego apelou, "o de cima sobe, o de baixo
desce", "a boca da garrafa", "na
bundinha". Foi Daniela, foi Ivete,
foi todo mundo atrás da apelação.
Daniela é uma cantora de excelente qualidade, mas tem um repertório de décima. Me dizem
"mas como, se ela gravou música
do seu filho?", digo que então
meu filho foi para o escalão de décima categoria. A música baiana
partiu para a putaria. Eles mesmos estão vendo que não dá pé.
Folha - A aparente indefinição
ideológica dos tropicalistas é
uma forma de ideologia conservadora? A axé music e sua defesa não são conservadoras?
Sant'Ana - Não acho que seja
indefinição. Conservadora também não concordo. Ideologia,
sim, não conservadora. Caetano
defende o axé, mas no Carnaval,
que é o espaço dele. O que Jota
Quest e Milton estão fazendo em
cima de trio elétrico? Deviam ter
vergonha. Só pra Contrariar e
Leonardo no trio elétrico? Quando não era sucesso, as pessoas não
iam, mas Caetano e Gil iam.
Folha - Que projeto você gostaria de fazer e não fez ainda?
Sant'Ana - Hoje? Gostaria de fazer um disco com Marisa Monte e
um com Paulinho da Viola. E gostaria de recuperar a obra de Capinan na tropicália. Mas ele é muito
difícil, está ficando velho, chato.
Desisti para não me aborrecer
com ele. Era um projetaço, um
poeta de origem bem humilde, lá
do interior da Bahia, que foi talvez
o principal coordenador poético
da tropicália, com Torquato Neto.
Ele foi secretário de Cultura de
Waldir Pires, teve a classe artística
da Bahia toda contra ele.
Folha - Artistas da Bahia viram
secretários e vereadores, artistas agradam políticos de cima
dos trios elétricos. Não há uma
promiscuidade nisso tudo?
Sant'Ana - Não há promiscuidade, são todos próximos. O prefeito de Salvador é um folião. A
TV Bahia tem cinco diretores que
são donos de blocos. Maria Bethânia fez show no aniversário de
15 anos do axé a pedido de ACM.
Fez um grande show com 39
graus de febre e agradeceu publicamente o convite do senador.
O que o governo da Bahia tem a
ver se Daniela Mercury convida
Arnaldo Faria de Sá para seu camarote? São amigos, vai saber. O
cara está sob investigação, não está provado. Eu tenho parentes
que são bandidos, o que posso fazer? Tenho um que está preso,
quem fez o derrame de drogas no
Carnaval foi ele. É sobrinho meu.
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