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"LONGE DA ÁGUA"
Em seu romance, jornalista gaúcho constrói enredo sobrepondo idéias num crescendo de repulsa
Como um conta-gotas, Laub narra angústias a partir da adolescência
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
A água representa morte e
desejo, indefinição e remorso, prospecção e perigo. Pelo menos no romance/novela "Longe
da Água". Ou melhor, pelo menos
para o narrador dessa ficção, a segunda narrativa longa do jornalista gaúcho Michel Laub.
O formato do parágrafo acima,
organizado em camadas superpostas, sendo que a seguinte reajusta a anterior com novas informações, aproxima-se de um dos
mecanismos mais evidentes empregados pelo narrador de Laub.
O personagem tem 30 anos, é
editor de livros, nasceu em Porto
Alegre e mora em São Paulo. Sua
trajetória cruza-se com a de Laura, descrita até certo ponto em paralelo. O evento que marca o primeiro encontro entre os dois é a
morte por afogamento de Jaime,
melhor amigo do moço e namorado de Laura.
Revelada na primeira parte do
livro, essa tragédia da adolescência será esmiuçada nas seções
subseqüentes, nas quais o leitor fica a par de outras circunstâncias e
das motivações dos personagens.
Se a primeira parte apresenta a
morte de Jaime, é a segunda, por
exemplo, que elucida que o narrador é seu amigo e estava próximo
dele no dia do acidente. Os dois
surfavam numa praia do litoral
gaúcho, quando Jaime enredou-se numa rede de pesca.
Tudo obviamente ocorre de
uma vez só, mas o narrador escolhe não descrever os fatos em sua
inteireza, mas a conta-gotas. Não
há razão narrativa para isso, senão a que reside na alma do personagem. Cada naco de explicação evidencia trechos cada vez
mais sombrios da índole do narrador: inveja, passividade, perfídia. É como se a culpa que ele purga por meio da narrativa só lhe
permitisse confessar seus crimes
num crescendo de repulsa moral.
Como se o ato de desnudar-se fosse dificultoso.
Sabemos, porém, que o personagem é um exímio editor. Sugere
aos autores estratégias para melhorar suas histórias. Conhece o
funcionamento do suspense, da
surpresa, da interrupção expressiva da ação -que ele não deixa
de aplicar a seu relato. Fica a dúvida se ele busca a contrição ou se
apenas deseja manipular o leitor.
O personagem pretende manter-se longe da água, que lhe sugere tensões insuportáveis. Mas, como lady Macbeth, acredita em sua
força expiatória. Na epígrafe excelentemente escolhida do livro, ela
diz: "Agora vai e busca água e lava
este testemunho imundo de suas
mãos". Quem conhece a peça de
Shakespeare sabe da inutilidade
dessa exortação.
Longe da Água
Autor: Michel Laub
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 28 (120 págs.)
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