CRÍTICO DA FOLHA

A forma do musical, hoje considerada ultrapassada, ainda assegura o interesse de filmes cuja trama nem sempre seria forte o suficiente para valer o ingresso. Como as atrações cantadas de "Dreamgirls - Em Busca do Sonho" e de "Cadillac Records", o melhor de "Honeydripper - Do Blues ao Rock" são os momentos em que a música ocupa o primeiro plano.
Diferente desses títulos, o longa dirigido por John Sayles também se investe de conteúdo social, com a marca registrada da denúncia de outros trabalhos do diretor independente cuja trajetória, infelizmente, é pouco difundida.
Desta vez, Sayles nos leva ao Alabama dos anos 50, com sua histórica injustiça social sob a forma de discriminação racial.
Os negros estão fora de qualquer possibilidade de ascensão ou reconhecimento, condenados a trabalhos braçais como a colheita de algodão, perseguidos por xerifes e juízes que preservaram a mentalidade de senhores de escravos ou, se autônomos, ameaçados pela falência, como o dono de bar Tyrone Purvis (Danny Glover).
A única linha de fuga desse ambiente cerceado é a música, que os negros exibem na voz, na maestria instrumental e nas danças.

Blues e rock
Sayles acumula as tarefas autorais do trabalho, assinando direção, roteiro e montagem. O que nem sempre produz efeitos infalíveis, como se verifica no roteiro carregado de cacoetes dramáticos e que apela em excesso para uma lógica de coincidências automáticas.
O defeito, no entanto, se torna irrelevante no modo apaixonado como o diretor filma o ambiente e humaniza o rigor temático com a transição musical do blues ao rock que conduz o miolo da trama. Sayles nem faz questão de disfarçar estereótipos, como a associação da expressão artística como instrumento de rebeldia. No entanto, o modo como ele permite a cada personagem, central ou acessório, apresentar-se, ganhar peso e fulgurar mesmo que por curtos instantes, nos leva a esquecer sua tendência para a mensagem engajada e relaxar com o prazer dos ritmos. (CSC)