São Paulo, sexta, 17 de abril de 1998

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"Outsiders" dos anos 80 voltam a respirar
Ira!

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Dois rótulos costumam acompanhar o Ira!: o de "banda honesta" e o de "banda radical". Tais rótulos continuam a definir o quarteto paulista, embora a pretensão seja relativizá-los agora, no lançamento de seu oitavo disco, "Você Não Sabe Quem Eu Sou".
Sobre honestidade, a questão é de valor. "Ficou esse imaginário de banda verdadeira, que faz "rock honesto'. No final, parece que esse é o nosso mérito. Mas isso não é qualidade musical!", afirma o vocalista Nasi, 36.
Quanto ao radicalismo, eles próprios confessam comportamentos extremos na trajetória do Ira!. "A gente era mais punk, era "fuck you, brega system' ", diz o baterista André Jung, 36.
"Fomos ao "Chacrinha' num Natal, e queriam que colocássemos chapéus de Papai Noel. Todo o rock dos 80 estava no programa, doía ver um por um colocando o gorrinho. Dissemos não e nunca mais entramos na Globo", lembra o baixista Ricardo Gaspa, 39. "Foi um anticlímax. A gente é bom em anticlímax", ri o guitarrista e vocalista Edgard Scandurra, 36.
"Tudo era muito ensaiadinho, não admitíamos mudar nada. Éramos elitistas, não tocávamos músicas de ninguém. As outras bandas falavam bem da gente, e nós nada", lembra Jung.
Aí a sombra da mudança se intensifica. O novo CD contém releitura de "Miss Lexotan 6mg Garota", do gaúcho Júpiter Maçã, egresso também dos 80. A faixa devolveu o Ira! a certas paradas -está há cerca de dois meses em primeiro lugar na rádio roqueira Brasil 2000.
Embora se refiram aos radicalismos com ressalvas, parecem admitir que deles resultou um histórico coerente ao Ira!. É Scandurra quem define: "Tivemos sempre comportamento underground, mesmo que tenhamos ficado populares no histórico dos anos 80".
Mudança e conciliação
No meio do caminho do Ira!, houve a saída da multinacional WEA, em 93, quando a banda se viu sem gravadora.
"Fomos a primeira banda de rock a ir de uma grande gravadora para uma menor. Outras encarariam essa "queda de padrão'. Isso nos distinguiu", afirma Nasi.
Hoje, afirmam tentar conciliar radicalismos, até porque divergem os interesses de cada integrante da banda -em projetos solo, Nasi tem pesado a mão no blues e Edgard, no tecno.
"Há um lado crítico de identidade entre eles. Mas conheço os caras, vejo um tomando papel oposto ao que tomou antes. Em 82, Nasi queria fazer hip hop e Edgard só queria sixties", lembra Jung. "O Ira! é a quintessência de tudo, passeia por tecno, surf, samba..."
Nasi e Scandurra entram na fogueira. "Achei legal a entrada de Edgard na tecnologia. Não deixa de ser uma continuidade do hip hop, como eu queria fazer antes", diz o vocalista. "O hip hop não dava espaço para a guitarra, como o tecno hoje não dá vez para o vocal", devolve o guitarrista.
A surpresa, em 98, é Scandurra ter convencido os colegas "radicais" a incursionar pelo tecno. "Chegar a um consenso foi complicado, mas ninguém estava com a menor vontade de fazer mais um disco de garagem", define Jung.
O agente flexiblizador, no caso, não se mostra plenamente satisfeito. "Acho que este é um disco de transição", diz Scandurra. Ele defende a coerência de ter partido do mod (movimento roqueiro inglês dos 60, liderado pela banda The Who) e chegado ao tecno.
"Mod hoje é o tecno, são as raves, que juntam pessoas com identidades em comum. O grunge era largado, podrão, machista. As raves trazem de volta o mod, a tolerância, a preocupação estética."
Gaspa ironiza: "Edgard ainda é tão mod por dentro que precisa se convencer que o tecno é mod". Jung apimenta: "Se Pete Townshend (The Who) disser que tecno não é legal, ele não dorme mais".
O resto do Ira! abre a guarda, no entanto. O veterano underground Loop B participará nos shows que apresentarão o novo disco, em maio. "Será um quinto elemento que vai agregar influências eletrônico-industriais", explica Jung.
Todos, enfim, admitem o arejamento do Ira! versão 98. "O CD contempla passado, presente e futuro", diz Nasi. "É o Ira! olhando para o futuro", radicaliza Scandurra. "Assim não vira museu, cover de Ira!. Não somos mais o rock dos 80, somos dos 90", fecha Jung.



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