São Paulo, sexta, 17 de abril de 1998

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Experimentalismo areja som da banda

da Reportagem Local

"Você Não Sabe Quem Eu Sou" é o disco mais experimental e ousado do Ira! desde "Psicoacústica" (88). Aquele foi o mais criativo álbum da banda, este chega perto.
Se uma das marcas determinantes da longevidade do Ira! -mesmo com todos os percalços da aceitação parcial pelo mercado- tem sempre sido sua coerência, esses são seus dois álbuns "rebeldes", por se desviarem dos modelos rígidos de (bom) rock'n'roll que o grupo definiu a partir de 85.
Não há dano de coerência, ao contrário. "Psicoacústica" e "Você Não Sabe Quem Eu Sou" dão ar e frescor ao rock da banda brasileira que mais sabe fazer rock. E mostram que rock não é, necessariamente, coisa a fazer de olhos, ouvidos e narizes tapados.
Se o apreço de Nasi pelo hip hop dava o tom de "Psicoacústica", aqui as influências tecno de Edgard Scandurra permeiam a parede pesada do som Ira!. O CD é muito rock'n'roll, mas há vento e disponibilidade nutrindo cada um dos integrantes da banda.
O que vai se perdendo é aquele tom juvenil, ativista e revoltado dos rapazes, que antes rendeu clássicos como "Núcleo-Base" e "Dias de Luta". Aqui, tal tom só aparece na letra minimalista de "Justiça Militar Justiça Civil", que só faz repetir, entre muitos samples: "Justiça militar, justiça civil".
É, paradoxalmente, a faixa mais tecnológica do CD, em que faz par com a divertida e sintetizada "Descendo o Mississippi". Parece um prodígio, mas o Ira! sabe fazer parque de diversões no mais avançado espírito noventista.
Fora isso, os rocks vão se sucedendo num inferninho estimulante de ruídos e efeitos estranhos, já a partir de "Às Vezes de Vez em Quando" (de Scandurra) e "Correnteza" (de Nasi, Gaspa e do anti-herói Ciro Pessoa), que abrem com ira o CD.
Mas o ápice, lado a lado com a seção tecno-rock, se encontra mesmo em "Miss Lexotan 6mg Garota", esfinge psicodélica que devolveu o Ira! às paradas não-jabazeiras do rádio nacional.
A composição é do gaúcho Júpiter Maçã, ex-Cascavelettes, outro oitentista convertido à modernidade dos 90 (prestes a ser lançado nacionalmente pela PolyGram). É quando Ira! consegue ser tão mod quanto quando reclamava que "Ninguém Entende um Mod" -um delírio aos saudosistas.
Para esses há também "Eu Não Sei", versão de Roger (isso mesmo, aquele do Ultraje a Rigor) para "I Can't Explain", do Who. A cover é mod, muito mod, mas mostra como o Ira! mudou -a roupagem é contemporânea, subversiva, diferente das releituras anteriores de Animals e Stones.
Bem, e há, afinal, as baladas de Scandurra -sim, o fervoroso defensor de raves ainda toca guitarra e compõe temas tranquilos como ninguém entre os de sua geração.
Os exemplares aqui são "Tantas Nuvens" (antes presente em "Benzina", álbum solo de 96 de Scandurra), em que reaparece a frase mítica do Ira!, "então eu canto esta canção...", e, especialmente, na dramática faixa-título.
A fórmula parece simples, e é oposta à que eles mesmos prescreviam na irônica "Receita para Se Fazer um Herói", de "Psicoacústica": não fique rico, faça a música que você mais gosta, resista às pressões e procure evoluir -seu currículo não será muito menos que exemplar. Anti-heróis dos 80, os meninos do Ira! já integram uma banda atemporal. (PAS)
Disco: Você Não Sabe Quem Eu Sou Banda: Ira! Lançamento: Paradoxx Quanto: R$ 18, em média


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