São Paulo, sexta-feira, 17 de maio de 2002

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"IRIS"

Longa conta com atuação de Jim Broadbent, premiado no Oscar deste ano

Roteiro não acompanha qualidade de elenco do filme

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

A princípio , o paralelismo que o filme estabelece entre a jovem Iris Murdoch, interpretada por Kate Winslet, e a velha, encarnada por Judi Dench, dá conta de que a personagem nunca mudou em essência.
Se considerarmos que a filósofa e romancista irlandesa Murdoch era uma fiel adepta do platonismo, e não uma especialista em auto-ajuda como o roteiro de "Iris", em seu sintetismo, poderá dar a entender, e que acreditava, portanto, na imortalidade da alma e numa forma ideal de bem supremo capaz de guiar, pela razão, nossas vidas, esse paralelismo não nos parecerá de todo desmedido.
Mas, a partir do momento em que a personagem torna-se vítima do mal de Alzheimer, esse paralelismo, que passa então a estabelecer um hiato entre as duas Iris, parece encerrar uma constatação schopenhauriana: "O que em nós teme a morte, a vontade, não o deveria, pois é imortal, já o que em nós não a teme, o sujeito do conhecimento, o intelecto, deveria temê-la, pois é mortal".
As palavras e o sentido das coisas passam a fugir de Iris. Ela se sente navegando na escuridão. A história de sua degenerescência intelectual, tanto mais cruel pelo fato de a escritora experimentar, na velhice, o auge da carreira, nos é contada por seu marido, o professor John Bayley (Jim Broadbent, Oscar de ator coadjuvante), autor dos dois livros autobiográficos que inspiraram o filme.
Para Iris, a "vontade" é o amor e essa espécie de energia amorosa que ela vê transitar, contagiosa, entre as pessoas, os animais e as coisas. Na juventude, ela procurou associar essa energia ao seu aprendizado, unindo, à maneira epicurista, a saúde do corpo ao sossego do espírito. Foi amante de Sartre, Elias Canetti e Raymond Queneau e com eles nunca dissociou conhecimento de desejo, segundo declaração que (assim como o nome desses amantes) não está no longa.
Se em "Iris" devemos nos contentar com o em-tudo-titubeante-Bradley é porque, antes da morte e depois da perda de sua capacidade intelectual (esvaecimento de seu "sujeito do conhecimento"), Murdoch deve ainda afirmar a sua "vontade", manifestando, para além da linguagem, o amor ideal (platônico) que nutre pelo marido, sua "alma gêmea".
Uma pena que, a despeito do elenco, o filme, especialmente pelos limites que o roteiro revela diante das possibilidades do argumento, não parece à altura da personagem. Como diz Bradley, Iris era como uma música celestial, e as pessoas hoje em dia só entendem a linguagem das imagens.


Iris   
Direção: Richard Eyre
Produção: Inglaterra/EUA, 2001
Com: Kate Winslet, Judi Dench
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes, Paulista, Iguatemi e circuito



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