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São Paulo, sábado, 17 de maio de 2003

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CINEMA

A cineasta Samira Makhmalbaf fez afirmação durante o Festival de Cannes, onde apresenta seu longa "Panj É Asr"

Iraniana compara Bush a "um talebã"

France Presse
A diretora Samira Makhmalbaf, que levou para Cannes seu "Panj É Asr", filmado no Afeganistão


SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

O 56º Festival de Cannes, aberto na última quarta-feira, produziu ontem sua primeira grande controvérsia.
Foi protagonizada pela cineasta iraniana Samira Makhmalbaf, 23, que comparou o presidente norte-americano George W. Bush a "um talebã" e afirmou que seu filme -"Panj É Asr" (Às Cinco Horas da Tarde)- ironiza a política francesa não para criticar o país, mas para "mostrar que o fascismo existe em todo lugar".
Filmado no Afeganistão, "Panj É Asr" foi exibido em competição pela Palma de Ouro. O filme gira em torno da vida de uma jovem afegã que contorna o fundamentalismo religioso do pai e passa a frequentar a escola, reaberta depois da queda do regime talebã.
A estudante Noqreh (nome da personagem interpretada por Agheleh Rezaie) quer chegar à Presidência da República do Afeganistão. O objetivo da personagem é o mote para a cineasta denunciar a condição desigual da mulher em relação ao homem no Oriente Médio e também a chance para criticar a política dos países ocidentais.
"Tornou-se um clichê a idéia de que os Estados Unidos foram ao Afeganistão para salvar o povo dos talebãs. Eu quis fazer um filme para abordar de um modo mais profundo a situação do país", disse a cineasta.
Ela assina roteiro e diálogos do filme junto com seu pai, o cineasta Moshen Makhmalbaf ("Caminho para Kandahar").
A intervenção norte-americana aparece em "Panj É Asr" indiretamente, na forma de populações famintas e em fuga, num cenográfico avião de carga abatido, na morte de uma personagem pela explosão de uma mina e em diálogos que fazem referência a homens mortos em combate.
A ironia com a França surge numa cena em que Noqreh pergunta a um soldado francês o que Jacques Chirac fez para eleger-se presidente. O rapaz responde que não sabe, porque é militar, logo não se envolve em política.
Um amigo afegão de Noqreh intervém: "Eu sei. Eles não queriam que o outro candidato se elegesse e tiveram de votar em Chirac". A referência é ao ultradireitista e sempre candidato Jean-Marie Le Pen, cuja votação cresceu nas últimas eleições presidenciais.
Na conversa que teve com os jornalistas sobre seu filme, Makhmalbaf comparou Bush a um talebã depois que um repórter canadense lhe pediu comentários sobre a liberdade artística e de expressão no Irã.
"Claro que temos limites e censura [no Irã]. Mas, às vezes, situações difíceis nos dão energia. Os governos ditatoriais não se resumem ao talebã no Afeganistão. Acho Bush um talebã", disse.
A condição da mulher no Afeganistão é também tema de "Osama", de Sedigh Barmak. Apresentado como "o primeiro filme afegão", integra a Quinzena dos Realizadores, mostra paralela ao Festival de Cannes.
O outro concorrente apresentado ontem em competição pela Palma foi o francês "Les Egarés" (Os Desgarrados), dirigido por André Téchiné e estrelado por Emmanuelle Béart. Ambientado na Segunda Guerra, o filme é baseado em livro de Gilles Perrault. A professora Odile (Béart) perde o marido no campo de batalha e deixa Paris com os dois filhos, para fugir de ataques alemães.
No caminho para o interior do país, encontra a ajuda de um jovem (Gaspard Ulliel) rústico, hábil em soluções para situações de perigo e privação e sigiloso sobre a própria biografia. A tensão sexual (e o consequente conflito moral) entre os dois personagens não demorará a aparecer.
Téchiné enriquece seu filme com imagens de arquivo da guerra, mas diz que não pretendeu fazer uma reconstituição de época.
"Eu me interesso por circunstâncias gerais [a guerra] que levam a acontecimentos particulares [o romance] e por personagens que, num tempo suspenso, confrontam-se com seus desejos", disse o cineasta.


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