São Paulo, segunda-feira, 17 de maio de 2004

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"Old Boy" surpreende com violência brutal e bem-humorada

PEDRO BUTCHER
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Veio da Coréia do Sul o primeiro choque de Cannes 2004: "Old Boy", de Park Chan-wook, exibido no sábado, inaugurou a galeria de surpresas prometidas pelo diretor artístico Thierry Fremaux ao anunciar a seleção do festival.
Apesar de figurar na lista de 12 cineastas que disputam a Palma de Ouro pela primeira vez, Park não é propriamente um novato. Dirigiu seu primeiro filme em 1992 ("A Lua É o Sonho do Sol") e por duas vezes foi selecionado para o Festival de Berlim. "Old Boy", seu quinto longa, é o segundo capítulo de uma trilogia sobre a vingança e estreou na Coréia com boa resposta de público.
Inspirado num mangá japonês, traz uma energia ainda mais impressionante do que a dos primeiros trabalhos do japonês Takeshi Kitano. Música e imagem combinam-se para mostrar o desespero de Dae-Su Oh, que permaneceu encarcerado por 15 anos sem saber o motivo. Nesse período, fica sabendo pela TV que sua mulher foi morta e que ele é acusado do crime. Livre, vai à procura de quem o prendeu e armou a cilada.
"O importante não é quem, mas por quê", diz a voz misteriosa que conversa com Dae-Su Oh de um celular, quando encontra as primeiras pistas do algoz. A resposta está num ato banal do passado, de conseqüências devastadoras (e toques de Nelson Rodrigues).
"Old Boy" está montado a partir de elementos recorrentes do cinema de ação popular e em cenas de ação e violência brutais em novos contextos. O conceito de fatalidade e destino reaparece com caráter particularmente político: "Detesto a visão individualista segundo a qual, na sociedade moderna, cada um de nós é capaz de resolver seus problemas com habilidade e esforço pessoal. Acho que o impossível é mesmo impossível", disse o diretor, após a projeção.
Cenas de ação irônicas e humoradas se alternam a outras de violência chocante. Tudo filmado com intensidade incomum. Park, aliás, faz da intensidade o elemento capaz de desestabilizar os clichês do "cinema de gênero" e garantir uma pulsação original.
É o oposto do que faz o japonês Hirozaku Kore-Eda, em outro belo filme em competição em Cannes. "Nobody Knows". Ainda que radicalmente diferente, é outra prova de que o cinema asiático não dá demonstrações de cansaço, como tantos previram.
Mantendo-se fiel ao estilo minimalista e quase documental, Kore-Eda narra uma história igualmente perturbadora, inspirada em caso real ocorrido em Tóquio nos anos 90. O filme começa quando Keiko e seus quatro filhos mudam-se para um pequeno apartamento. Ao dono, apresenta só o mais velho. Os outros entram em malas. Caso venha à tona que são quatro, a família pode ser despejada. Por trás do fato, esconde-se a opressão à mulher que persiste no Japão. Keiko é solteira, e seus filhos são de pais diferentes.
Tanto "Old Boy" como "Nobody Knows" reforçam a potência do cinema asiático atual. Mas "Old Boy", em particular, surge como o sopro de renovação tão esperado. Dependendo da recepção do segundo filme coreano em competição ("A Mulher É o Futuro do Homem"), Cannes pode estar indicando que chegou a vez de a Coréia, com sua significativa produção anual, substituir a "quinta geração do cinema chinês", responsável pela revitalização do cinema oriental no começo dos anos 90. É esperar para ver.


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