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"Old Boy" surpreende com violência brutal e bem-humorada
PEDRO BUTCHER
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
Veio da Coréia do Sul o primeiro choque de Cannes 2004: "Old
Boy", de Park Chan-wook, exibido no sábado, inaugurou a galeria
de surpresas prometidas pelo diretor artístico Thierry Fremaux
ao anunciar a seleção do festival.
Apesar de figurar na lista de 12
cineastas que disputam a Palma
de Ouro pela primeira vez, Park
não é propriamente um novato.
Dirigiu seu primeiro filme em
1992 ("A Lua É o Sonho do Sol") e
por duas vezes foi selecionado para o Festival de Berlim. "Old Boy",
seu quinto longa, é o segundo capítulo de uma trilogia sobre a vingança e estreou na Coréia com
boa resposta de público.
Inspirado num mangá japonês,
traz uma energia ainda mais impressionante do que a dos primeiros trabalhos do japonês Takeshi
Kitano. Música e imagem combinam-se para mostrar o desespero
de Dae-Su Oh, que permaneceu
encarcerado por 15 anos sem saber o motivo. Nesse período, fica
sabendo pela TV que sua mulher
foi morta e que ele é acusado do
crime. Livre, vai à procura de
quem o prendeu e armou a cilada.
"O importante não é quem, mas
por quê", diz a voz misteriosa que
conversa com Dae-Su Oh de um
celular, quando encontra as primeiras pistas do algoz. A resposta
está num ato banal do passado, de
conseqüências devastadoras (e
toques de Nelson Rodrigues).
"Old Boy" está montado a partir
de elementos recorrentes do cinema de ação popular e em cenas de
ação e violência brutais em novos
contextos. O conceito de fatalidade e destino reaparece com caráter particularmente político: "Detesto a visão individualista segundo a qual, na sociedade moderna,
cada um de nós é capaz de resolver seus problemas com habilidade e esforço pessoal. Acho que o
impossível é mesmo impossível",
disse o diretor, após a projeção.
Cenas de ação irônicas e humoradas se alternam a outras de violência chocante. Tudo filmado
com intensidade incomum. Park,
aliás, faz da intensidade o elemento capaz de desestabilizar os clichês do "cinema de gênero" e garantir uma pulsação original.
É o oposto do que faz o japonês
Hirozaku Kore-Eda, em outro belo filme em competição em Cannes. "Nobody Knows". Ainda que
radicalmente diferente, é outra
prova de que o cinema asiático
não dá demonstrações de cansaço, como tantos previram.
Mantendo-se fiel ao estilo minimalista e quase documental, Kore-Eda narra uma história igualmente perturbadora, inspirada
em caso real ocorrido em Tóquio
nos anos 90. O filme começa
quando Keiko e seus quatro filhos
mudam-se para um pequeno
apartamento. Ao dono, apresenta
só o mais velho. Os outros entram
em malas. Caso venha à tona que
são quatro, a família pode ser despejada. Por trás do fato, esconde-se a opressão à mulher que persiste no Japão. Keiko é solteira, e
seus filhos são de pais diferentes.
Tanto "Old Boy" como "Nobody Knows" reforçam a potência do cinema asiático atual. Mas
"Old Boy", em particular, surge
como o sopro de renovação tão
esperado. Dependendo da recepção do segundo filme coreano em
competição ("A Mulher É o Futuro do Homem"), Cannes pode estar indicando que chegou a vez de
a Coréia, com sua significativa
produção anual, substituir a
"quinta geração do cinema chinês", responsável pela revitalização do cinema oriental no começo dos anos 90. É esperar para ver.
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