São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 2002

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LITERATURA

Biografia do diretor e ensaísta italiano radicado no Brasil nos anos 40 é resultado de tese de Berenice Raulino

Livro estuda Ruggero Jacobbi e o TBC

FERNANDO MARQUES
ESPECIAL PARA A FOLHA


O verso famoso de Mário de Andrade, "eu sou 300, sou 350", aplica-se perfeitamente a Ruggero Jacobbi. O italiano Jacobbi (1920-1981), que tem biografia lançada hoje, em São Paulo, viveu de 1946 a 1960 no Brasil, multiplicado em diretor, professor, ensaísta e crítico de teatro, além de escrever peças e poemas. Estendeu suas atividades ao cinema e à TV, tendo saído do país sob pressão da polícia, que o acusava de comunista.
Jacobbi participou da aventura renovadora do Teatro Brasileiro de Comédia, companhia paulistana para a qual dirigiu peças como "O Mentiroso", de Goldoni, e "A Ronda dos Malandros" sucesso de público retirado de cartaz pelo empresário Franco Zampari.
O intelectual veneziano ganha perfil minucioso em "Ruggero Jacobbi: Presença Italiana no Teatro Brasileiro", de Berenice Raulino, que resulta de tese de doutorado apresentada em 2000 na USP.
Berenice Raulino, professora da Unesp, chegou a Jacobbi por acaso, em visita a um sebo onde encontrou a coletânea de ensaios "A Expressão Dramática", um dos oito livros de Ruggero sobre teatro. Ficou "impressionada com a lucidez" do articulista, autor também de estudos sobre a obra teatral de Gonçalves Dias, publicados em "Goethe, Schiller, Gonçalves Dias", textos capazes de reapresentar o poeta aos brasileiros.
A formação de Jacobbi, na Itália fascista dos anos 30, se deu em tempos de renovação teatral. Trocava-se a figura dos "matadores", estrelas que monopolizavam as atenções, pelo espetáculo unificado nas mãos do encenador, a quem cabia dar coerência aos diversos elementos da montagem.
Somada à disputa entre os velhos astros e os novos homens de teatro, havia a polêmica entre o diretor Giulio Bragaglia, adepto do "espetáculo absoluto", e o crítico Silvio d'Amico, defensor do "espetáculo condicionado". Na Itália e noutros países discutia-se a liberdade do encenador, contraposta aos direitos do dramaturgo.
Jacobbi, de formação marcadamente literária, "valorizava o texto, mas com grande abertura de idéias", alargando o realismo ao incorporar processos simbolistas e expressionistas a seus 44 espetáculos no Brasil.
Mas um de seus trabalhos mais polêmicos, "A Ronda dos Malandros", de 1950, não se restringiu a "difundir as idéias do texto", tarefa do espetáculo condicionado, mas esteve perto do chamado espetáculo absoluto, em que as palavras aparecem apenas como um dos vários ingredientes.
Mas o problema com "A Ronda dos Malandros", adaptação da "Ópera do Mendigo", de John Gay, teria sido mais ideológico que estético. O espetáculo alcançou sucesso com público popular, pouco habitual no TBC, conta Berenice. Segundo ela, "a própria crítica talvez não estivesse pronta para a montagem", que terminava com o poema "Litania dos Pobres", de Cruz e Souza, contrariando padrões conservadores. A peça foi retirada de cartaz.
De volta à Itália, Jacobbi publicaria o livro "Teatro in Brasile" e encenaria peças como "O Pagador de Promessas", de Dias Gomes. Berenice Raulino abre caminho para a incorporação de sua obra, espantosamente rica, à história teatral brasileira.


Fernando Marques é jornalista e professor do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).


RUGGERO JACOBBI: PRESENÇA ITALIANA NO TEATRO BRASILEIRO - Livro de Berenice Raulino.
Editora: Perspectiva. 292 págs.
Lançamento hoje, no Balcão (r. Dr. Melo Alves, 150, Jardins), a partir de 19h.


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