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GASTRONOMIA
Uísque perde seu reinado dentro da boemia carioca
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Com o fechamento do Florentino, no último domingo, a noite
carioca deu mais um chute no
"cachorro engarrafado". Assim
chamado por Vinicius de Moraes,
que exaltava seu companheirismo, o uísque não passa, hoje, de
um coadjuvante na boemia do
Rio de Janeiro.
O primeiro baque veio na década de 1990, com o fechamento do
Antonio's, bar do Leblon onde,
nos anos 70, fartas doses eram
consumidas por artistas como
Tom Jobim, Vinicius de Moraes,
Chico Buarque, Rubem Braga,
Fernando Sabino e inúmeros outros -o Florentino, aliás, foi criado há 25 anos depois de uma desavença entre os sócios do Antonio's, tendo o espanhol Florentino Prieto Graña resolvido criar
seu próprio bar.
Nos anos seguintes, lugares em
que o uísque tinha status, como o
Real Grandeza, o Luna e o Bozó,
também acabaram. Freqüentado
por Agildo Ribeiro, Lúcio Mauro,
Chico Caruso e sobrenomes tradicionais da "high society" carioca, o Florentino era visto como o
último grande símbolo dessa boemia à moda antiga.
"Uísque tem cara de Frank Sinatra, Humphrey Bogart, bossa
nova, Beco das Garrafas. É uma
outra época, um outro estilo", diz
o escritor Antônio Torres, 63, que
foi cliente assíduo do Antonio's e
do Florentino.
"O Florentino ficou um pouco
estigmatizado como coisa de gente da antiga. Jovens não se sentiam tão à vontade lá quanto nos
novos bares que existem ali perto.
O barulho venceu a boa conversa", completa Torres, referindo-se
às casas vizinhas que, lotadas de
jovens e sons barulhentos, transformaram o Florentino numa ilha
da velha boemia na rua General
San Martin, no Leblon.
Lembrados por Torres, Sinatra
tinha uma voz "de terceiro uísque", como se dizia, e Bogart é autor de uma famosa frase: "A humanidade está sempre três uísques atrasada". Os astros americanos são de uma época em que
as coisas fluíam um pouco mais
lentamente, como uma dose de
uísque. Para o tempo frenético de
hoje, a cerveja e o chope parecem
mais adequados.
"A noite carioca está muito
mais freqüentada por jovens do
que no passado", diz Paulo Moraes, 57, para explicar por que decidiu fechar o Florentino, de onde
era o único dono desde 1993.
"Houve diminuição da clientela e
das despesas per capita. Não estava compensando mantê-lo com
aquela variedade de bebidas e o
custo que ele tinha."
Moraes pretende abrir em Itaipava, na região serrana do Rio,
um Florentino igual ao que fechou no Leblon. "A minha clientela, que são as pessoas de mais
idade, estão lá", diz.
No lugar do original será aberto
o Jiló, um bar feito por Moraes em
associação com a cadeia Informal
para atrair um público mais jovem, mais afeito ao chope, mais
interessado em uma bebida que
custa em torno de R$ 2 -uma
dose de uísque oito anos saía por
R$ 9 no Florentino.
"Quem bebe uísque não bebe
uma dose, bebe várias. Fica caro,
as pessoas estão duras. É melhor
pagar R$ 60 por uma garrafa e beber em casa", analisa o cartunista
Jaguar, 71. É o que o produtor, humorista e boêmio histórico Miéle
tem feito. Como os bares têm fechado, ele costuma se encontrar
com amigos em apartamentos.
Cada um leva uma garrafa de uísque, um pianista é contratado, e
os velhos tempos são recuperados. Como simulacro, mas são.
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