|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LITERATURA
Um dos autores mais kafkianos do Brasil faz palestra em São Paulo e explica que José J. é diferente de Joseph K.
José J. Veiga diz que não é criação de Kafka
CASSIANO ELEK MACHADO
Editor-assistente interino da Ilustrada
Em 1915, enquanto o escritor
tcheco Franz Kafka criava um personagem chamado Joseph K., protagonista do livro "O Processo",
nascia entre duas cidadezinhas no
Goiás um dos escritores mais kafkianos do Brasil: José J.
Aos 84 anos, José J. Veiga completa ("sem comemorações") este
mês quatro décadas de carreira.
Autor de mais de 15 livros, Veiga
olha no retrovisor de seus 40 anos
de literatura e diz que chegou "perto do que pretendia fazer" quando
começou. "Queria escrever uma
coisa minha, que não fosse repercussão do que faziam outros", diz à
Folha, com a voz ainda arranhada
por problemas recentes de saúde.
Hoje José J. Veiga deixa seu apartamento no Rio de Janeiro e explica, às 20h30, em São Paulo, no Instituto Moreira Salles, quais são os
contornos de sua literatura. Bem-humorado como seus textos, garante que não é um personagem de
Kafka, e explica que José J. é uma
invenção de Guimarães Rosa.
Folha - O sr. faz hoje uma palestra com o tema "Por Que Escrevo"?
Mas o sr. é muito conhecido por
reescrever incessantemente seus
textos. Por que o sr. reescreve?
José J. Veiga - É por conta de
uma grande insatisfação. Você
imagina as coisas, até visualiza,
mas, quando quer pôr aquilo no
papel, tem que usar a linguagem.
Aí você descobre que a linguagem
é tosca. Não acompanha o que você quer fazer. Então, você fica trabalhando, trabalhando, para chegar o mais próximo possível.
Folha - Por isso a linguagem do
sr. é tão seca, tão substantiva?
Veiga - É. Eu me vigio muito para
não fazer aquilo que em linguagem
popular se diz "encher linguiça".
Eu desbasto o texto. Tiro o bagaço.
Deixo apenas o que tem peso, a essência.
Folha - O sr. está completando 40
anos de carreira. Qual seria a essência dessa produção literária?
Veiga - Em meados de 59 saiu
meu primeiro livro. Estou comemorando, comemorando não,
completando, 40 anos.
Folha - Por que não comemorando? Não há motivos?
Veiga - Não cabe comemorar. Estamos apenas fazendo o trabalho.
Folha - Mas como o sr. avalia esses 40 anos de trabalho?
Veiga - Olhando para trás, para
as coisas que os críticos escreveram sobre mim, nos tempos que
havia críticos, acho que não há
motivos para me queixar. Acho
que pelo menos cheguei perto do
que eu pretendia fazer quando comecei. Queria escrever uma coisa
minha, que não fosse repercussão
do que faziam outros.
Folha - Um dos personagens mais
célebres de Franz Kafka se chama
Joseph K. O sr. é José J.. O sr. não
seria um personagem de Kafka?
Veiga - (Risos) Não sei. Pode ser.
Li os livros de Kafka todos, mais de
uma vez. Gosto muito do estilo dele. Não atravanca, não cria obstáculos, desliza.
Folha - Mas como o sr. resolveu
usar o nome José J.?
Veiga - O Guimarães Rosa era
muito versado em numerologia.
Quando eu estava para lançar o
primeiro livro, ele disse: "Você vai
sair só como José Veiga? Assim
não dá, ninguém tem apenas nome
e sobrenome". Disse a ele que eu
chamava José Jacinto Pereira Veiga. Ele tomou nota, fez alguns cálculos, levou algum tempo e disse:
"Põe José J. Veiga, vai ser bom para
você".
Folha - Então mais do que invenção de Kafka, José J. é criação de
Guimarães Rosa?
Veiga - (Risos) Tem razão.
Palestra: José J. Veiga
Quando: hoje, às 20h30
Onde: Instituto Moreira Salles (r. Piauí, 844,
1º andar, Higienópolis, tel. 011/825-2560)
Quanto: entrada franca (retirar ingresso
com antecedência)
Texto Anterior: Contardo Calligaris: Antropologia do Viagra Próximo Texto: "Estou apenas preguiçando" Índice
|