São Paulo, Quinta-feira, 17 de Junho de 1999
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LITERATURA
Um dos autores mais kafkianos do Brasil faz palestra em São Paulo e explica que José J. é diferente de Joseph K.
José J. Veiga diz que não é criação de Kafka

CASSIANO ELEK MACHADO
Editor-assistente interino da Ilustrada

Em 1915, enquanto o escritor tcheco Franz Kafka criava um personagem chamado Joseph K., protagonista do livro "O Processo", nascia entre duas cidadezinhas no Goiás um dos escritores mais kafkianos do Brasil: José J.
Aos 84 anos, José J. Veiga completa ("sem comemorações") este mês quatro décadas de carreira. Autor de mais de 15 livros, Veiga olha no retrovisor de seus 40 anos de literatura e diz que chegou "perto do que pretendia fazer" quando começou. "Queria escrever uma coisa minha, que não fosse repercussão do que faziam outros", diz à Folha, com a voz ainda arranhada por problemas recentes de saúde.
Hoje José J. Veiga deixa seu apartamento no Rio de Janeiro e explica, às 20h30, em São Paulo, no Instituto Moreira Salles, quais são os contornos de sua literatura. Bem-humorado como seus textos, garante que não é um personagem de Kafka, e explica que José J. é uma invenção de Guimarães Rosa.

Folha - O sr. faz hoje uma palestra com o tema "Por Que Escrevo"? Mas o sr. é muito conhecido por reescrever incessantemente seus textos. Por que o sr. reescreve?
José J. Veiga -
É por conta de uma grande insatisfação. Você imagina as coisas, até visualiza, mas, quando quer pôr aquilo no papel, tem que usar a linguagem. Aí você descobre que a linguagem é tosca. Não acompanha o que você quer fazer. Então, você fica trabalhando, trabalhando, para chegar o mais próximo possível.

Folha - Por isso a linguagem do sr. é tão seca, tão substantiva?
Veiga -
É. Eu me vigio muito para não fazer aquilo que em linguagem popular se diz "encher linguiça". Eu desbasto o texto. Tiro o bagaço. Deixo apenas o que tem peso, a essência.

Folha - O sr. está completando 40 anos de carreira. Qual seria a essência dessa produção literária?
Veiga -
Em meados de 59 saiu meu primeiro livro. Estou comemorando, comemorando não, completando, 40 anos.

Folha - Por que não comemorando? Não há motivos?
Veiga -
Não cabe comemorar. Estamos apenas fazendo o trabalho.

Folha - Mas como o sr. avalia esses 40 anos de trabalho?
Veiga -
Olhando para trás, para as coisas que os críticos escreveram sobre mim, nos tempos que havia críticos, acho que não há motivos para me queixar. Acho que pelo menos cheguei perto do que eu pretendia fazer quando comecei. Queria escrever uma coisa minha, que não fosse repercussão do que faziam outros.

Folha - Um dos personagens mais célebres de Franz Kafka se chama Joseph K. O sr. é José J.. O sr. não seria um personagem de Kafka?
Veiga -
(Risos) Não sei. Pode ser. Li os livros de Kafka todos, mais de uma vez. Gosto muito do estilo dele. Não atravanca, não cria obstáculos, desliza.

Folha - Mas como o sr. resolveu usar o nome José J.?
Veiga -
O Guimarães Rosa era muito versado em numerologia. Quando eu estava para lançar o primeiro livro, ele disse: "Você vai sair só como José Veiga? Assim não dá, ninguém tem apenas nome e sobrenome". Disse a ele que eu chamava José Jacinto Pereira Veiga. Ele tomou nota, fez alguns cálculos, levou algum tempo e disse: "Põe José J. Veiga, vai ser bom para você".

Folha - Então mais do que invenção de Kafka, José J. é criação de Guimarães Rosa?
Veiga -
(Risos) Tem razão.


Palestra: José J. Veiga Quando: hoje, às 20h30
Onde: Instituto Moreira Salles (r. Piauí, 844, 1º andar, Higienópolis, tel. 011/825-2560)
Quanto: entrada franca (retirar ingresso com antecedência)


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