São Paulo, sábado, 17 de julho de 2010

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CRÍTICA ENSAIO

Chesterton escreve apologia irônica do catolicismo popular

Ao satirizar as teorias que negavam a divindade de Cristo, o autor combateu todo totalitarismo intelectual


É FÁCIL DESCARTAR CHESTERTON COMO REACIONÁRIO. NO ENTANTO, O LIVRO É MAIS COMPLEXO

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Após "Ortodoxia", a editora Mundo Cristão publica uma segunda apologia do cristianismo composta por G. K. Chesterton (1874-1936): "O Homem Eterno", de 1925.
Trata-se de um arrazoado sutil, imaginoso, erudito e bem-humorado em defesa do catolicismo popular, de viés franciscano, contra as posições cientificistas e evolucionistas que dominavam o cenário intelectual, na Inglaterra eduardina.
Em particular, Chesterton ataca o livro de H.G. Wells, "História Universal", de 1919, que adotava as teses darwinistas das origens evolutivas da humanidade e negava a divindade de Cristo, considerando-o tão somente um líder moral, um místico como outros surgidos ao longo da história: Maomé, Buda, Confúcio etc.
Com base em argumentos do tipo "reductio ad absurdum", Chesterton procura demonstrar que, a se adotar a ideia de que a humanidade e a civilização contemporâneas são simplesmente efeito de um processo evolutivo que se aplica a outras espécies naturais, então ter-se-ia de admitir que o homem é um tipo absolutamente único e bizarro de animal, ainda mais estranho e absurdo do que a criatura proposta pela crença cristã.
Da mesma forma, a considerar Cristo apenas como mais um na fila crescente dos fundadores de religião, ter-se-ia que admitir que não há nenhum tão excêntrico, misterioso, dramático ou alucinado como ele.

TIRADAS IMPAGÁVEIS
É fácil descartar Chesterton como um reacionário face às novas descobertas da ciência. No entanto, o quadro que esboça em "O Homem Eterno" é mais complexo. Por mais que o leitor partilhe dos pressupostos ateus, evolucionistas e materialistas que ele combate, não tem como se impedir de admirar a capacidade inesgotável de Chesterton para fazer do que parece verdade certa o objeto de um saco de piadas engraçadas e inteligentes.
Tiradas impagáveis em série derretem as provas científicas em falácias ecoadas por "dez mil línguas de fofoqueiros" a falar do que não sabem, com pedantismo. Como explicá-lo? Não se trata apenas de habilidade com as palavras, ou do vasto repertório letrado que ele mobiliza para construir argumentos que parecem cair como chuva ou brotar como capim, isto é, com a facilidade do óbvio.
O que há de mais intrigante, e paradoxalmente libertário, em Chesterton, é que, ao obrigar o discurso científico a recuar sobre si mesmo e admitir que não dispõe de provas suficientes para reduzir as outras crenças a mitologias idiotas, ele atua não apenas como o publicista conservador de uma religião, mas como um crítico de todo totalitarismo intelectual.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp


O HOMEM ETERNO

AUTOR G. K. Chesterton
TRADUÇÃO Almiro Pisetta
EDITORA Mundo Cristão
QUANTO R$ 29,90 (320 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo



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