São Paulo, sexta-feira, 17 de setembro de 2004

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"À MARGEM DA IMAGEM"

Documentário mostra múltiplas caras e atividades dos sem-teto

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Em face da barbárie que se abateu sobre os moradores de rua de São Paulo, não há filme mais oportuno do que o documentário "À Margem da Imagem". O que propicia a agressão aos sem-teto é, em grande parte, o fato de eles serem percebidos como massa amorfa e sem identidade, como estorvo à vida da metrópole, e não como indivíduos.
O que "À Margem da Imagem" faz, antes de tudo, é conferir a cada um de seus retratados uma voz, uma cara, uma história -uma individualidade, enfim.
A primeira coisa que aprendemos com o filme é que não existe um perfil único do morador de rua. Há os temporários e os permanentes, os que trabalham e os que mendigam, os alcoólatras e os abstêmios.
As razões que levaram cada um ao desabrigo também são as mais variadas. Um era motorista e ficou paraplégico num acidente; uma mulher matou o marido a facadas; um terceiro, articuladíssimo, vendia livros usados até que, ao que tudo indica, sofreu um surto psicótico. Alguns parecem resignados, outros se revoltam, outros ainda buscam formas de ação social. São dezenas de indivíduos, cada um com tempo para contar sua história, descrever seu dia-a-dia, emitir suas opiniões.
Acompanha-se também a atividade de associações, albergues e refeitórios filantrópicos. O resultado desse acúmulo de imagens e informações, em que São Paulo aparece em toda a sua inóspita feiúra, é um painel bastante rico e variado sobre esse singular modo de vida que é ter a rua como moradia.
Se há um problema em "À Margem da Imagem", é uma certa dispersão. Aquele que, a julgar pelo título, seria seu eixo central -a discussão dos usos da imagem dos desabrigados- acaba obscurecido por outras questões, ganhando força apenas no início, quando se fala de Sebastião Salgado, e no final, quando os retratados vêem a si próprios numa sessão de cinema.
A frase mais contundente é a última. "Se eu bater na sua porta amanhã, você não vai me receber", diz um morador de rua ao diretor, e é como se falasse a cada um de nós.


À Margem da Imagem
   
Produção: Brasil, 2003
Direção: Evaldo Mocarzel
Quando: a partir de hoje nos cines Espaço Unibanco, Center Norte, Metrô Santa Cruz e circuito



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