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"CAMA DE GATO"
Filme de Alexandre Stockler teve exibição recusada por algumas salas devido a polêmicas imagens de sexo
Assista, nem que seja para ficar com raiva
SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA
Três adolescentes típicos de
classe média brasileira resolvem armar uma sacanagenzinha
para cima da paquera de um deles. Enquanto o casal estiver quase
transando no quarto, eis o plano,
os outros dois amigos saem de
dentro do armário para ver tudo,
quem sabe tocar a menina sem
que ela perceba ou, percebendo,
tentar convencê-la a participar do
ménage à quatre. Esse é o ponto
de partida de "Cama de Gato",
primeiro longa de Alexandre
Stockler, que estréia hoje.
Tudo corre da pior maneira
possível. Essa pior maneira possível é mostrada sem meios-termos, direta, chapada, insuportável, numa das cenas de estupro
mais pesadas do cinema, que não
deixa nada a dever à polêmica seqüência do francês "Irreversível",
de Gaspar Noé (2002), e, em diversos aspectos, a supera em
crueldade.
Primeiro porque enquanto o
exemplar europeu distancia o espectador com a violência pela violência, o nacional o aproxima pela
verossimilhança de uma brincadeira estúpida de garotos indo
longe demais.
Segundo, e reside aí a força de
"Cama de Gato", pela colagem de
depoimentos de diversos adolescentes de verdade, não-atores
que, entre cervejas, risadas e tragos de cigarro, vão construindo
na vida real a plausibilidade do
que era ficção, mostrando que,
sim, tudo o que aconteceu ou vai
acontecer é tão provável que o incrível é não ocorrer mais freqüentemente. É um trabalho de edição
sutil, metódico e preciso que deve
virar a marca fílmica deste talentoso diretor de teatro.
Há ainda o elenco, formado por
Caio Blat, Rodrigo Bolzan e Cainan Baladez (o trio de amigos) e a
corajosa Rennata Airoldi, que já
havia mostrado seu valor na peça
"Ka", do falecido Renato Cohen,
todos muito bem. Esses são os
méritos do filme em si.
Mas há ainda o valor político,
extracinema, de "Cama de Gato".
O longa digital com algumas inserções em celulóide cumpriu
uma verdadeira epopéia para chegar às telas. Tudo começou com
uma idéia bem-humorada de fazer a versão tupiniquim do Dogma 95, dos cineastas escandinavos, que nas mãos do jovem paulistano Stockler virou
"T.R.A.U.M.A.", ou Tentativa de
Realizar Algo de Urgente e Minimamente Audacioso.
Lançado o manifesto, etapas
importantes da produção foram
realizadas com o auxílio da internet, de uma maneira então pioneira.
Pronto o filme, houve o vendaval de recusas de festivais e, principalmente, de cinemas e cadeias
de salas -por ser digital, diziam
umas, devido ao conteúdo polêmico, afirmavam outras. Uma delas não tinha visto o mesmo problema ao exibir o filme de Noé
(estupro em francês pode, em
português pega mal). Stockler pagou por não baixar a cabeça, e só
por isso já tem lugar garantido no
combalido panteão do cinema independente do Brasil.
Panteão de resto formado por
ele, Cláudio Assis (de "Amarelo
Manga", o melhor filme brasileiro
do ano passado); Paulo Caldas e
Lírio Ferreira (de "Baile Perfumado"); Beto Brant (que dispensa
apresentações), claro; os patronos
Carlos Reichenbach e Ivan Cardoso; o superlativo Sergio Bianchi
e pouquíssimos mais. São bodes
na sala da corte do cinema tupiniquim "for export". Se você for assistir a apenas um filme brasileiro
neste ano, assista a este. Nem que
seja para ficar com raiva.
Cama de Gato
Produção: Brasil, 2000
Direção: Alexandre Stockler
Com: Caio Blat, Rodrigo Bolzan, Cainan
Baladez e Rennata Airoldi
Quando: a partir de hoje, nos cines SP
Market, Bristol, Anália Franco e circuito
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