|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
27° MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SP
Diretora criou ficção a partir da história de funcionário dos Correios na Bahia que escrevia cartas para manter seu emprego
Episódio real inspira "Narradores de Javé"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
A partir da história real de um
homem que escrevia cartas para
evitar o fechamento do posto dos
Correios de uma cidadezinha no
interior baiano, onde era o único
funcionário, a diretora Eliane Caffé, 42, fez o roteiro de seu segundo
longa, "Narradores de Javé".
O filme -que tem exibição, hoje, na 27ª Mostra BR de Cinema de
São Paulo- deve estrear em circuito comercial no país em janeiro de 2004. Ao longo deste ano,
"Narradores de Javé" acumulou
13 prêmios em festivais.
O projeto data de 1998, quando
Caffé concluía seu longa de estréia, "Kenoma". "Naquela época,
li sobre a história desse homem,
Pedro Cordeiro, que tentava
manter o fluxo de correspondências do posto dos Correios escrevendo ele mesmo diversas cartas,
e achei o assunto interessantíssimo", afirma a diretora.
Depois de uma troca de correspondências e de uma "emocionante" visita ao personagem real,
Caffé passou a escrever o roteiro,
a quatro mãos, com o dramaturgo
Luiz Alberto de Abreu, seu parceiro também em "Kenoma".
História oficial
Foi de Abreu a proposta de estender a todos os moradores do
povoado, e não concentrar em
apenas um de seus habitantes -o
Antônio Biá (José Dumont) decalcado de Cordeiro-, o impulso
de registrar em prosa impressa os
casos contados ao pé do ouvido.
Através do gesto de transferir
para a escrita a história oral de
uma comunidade, os roteiristas
quiseram contemplar o tema da
construção da história oficial, ou
de como um ponto de vista pode
se impor como verdade histórica.
"Tentamos mostrar que toda
história é comprometida, nunca é
neutra. Na oralidade, as divergências convivem, mas, quando você
escreve uma versão, muitas outras ficam de fora", diz Caffé.
Para tornar verossímil o desejo
dos moradores de escrever as origens do povoado, os roteiristas
precisavam de "um motivo", como observa a diretora.
A razão encontrada foi a perspectiva de a cidadezinha -a Javé
do título- ser encoberta pelas
águas de uma represa, para suprir
uma usina hidrelétrica.
O protagonista Biá distanciou-se do personagem real que o inspirou ganhando "um caráter
anárquico e até um pouco duvidoso", segundo Caffé. Ocorre
que, nas correspondências que
forja, Biá difama os moradores da
cidade e termina expulso. É chamado de volta quando a vila de semi-analfabetos decide compor o
livro de suas aventuras.
A diretora conta que, na fase de
preparação do roteiro, realizou
"três expedições" pelo interior da
Bahia e de Minas Gerais, de onde
retirou "o material bruto" para
escrever o filme. Além dessa pesquisa, muito do que se vê na tela,
salpicado aqui e ali nas falas dos
personagens, pertence à trajetória
pessoal do ator José Dumont. "No
filme, há um traçado da vida dele
[Dumont]. Por isso, considero-o
um co-autor", diz Caffé.
Texto Anterior: Artigo: Revista foi o meu Woodstock particular Próximo Texto: Crítica: Eliane Caffé faz comédia sobre memória popular Índice
|