|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
'Guaramiranga era uma espécie de paraíso'
"No fim do ano de 1919, terminava uma grande seca, no
Ceará. Nossa família vinha
de uma experiência de emigração para o Pará; durou
dois anos a experiência, que
se alongou justamente por
causa da tal seca. Mas em
outubro de 19 voltamos à
terra, pai, mãe, três filhos e
um por nascer. Nosso destino
seria o sertão, mas isso no
momento, era impossível. A
seca arrasara tudo: gado,
terra e gente. Então meu pai
teve uma idéia: "Vamos esperar o inverno em Guaramiranga".
Agora é preciso explicar o
que já era então Guaramiranga. O nome nascera do sítio fundado por meu bisavô.
E do sítio se estendera à vila,
então pequena, apenas com
duas ruas em cruz, a que vinha do Monte-flor para o
Macapá, e a que nascia do
portão do sítio Guaramiranga e subia até à igrejinha de
Nossa Senhora de Lourdes,
lá no alto. O cruzamento se
fazia defronte à farmácia e
ao sobradinho do Rodrigo
Caracas.
Aninhada num desvão, entre os morros da Serra de Baturité, Guaramiranga era
uma espécie de paraíso para
a gente lá de baixo: litoral e
sertão. O clima adorável,
friozinho pela manhã e à boca da noite, cada casa com o
seu jardim; mesmo as que
davam frente para a rua, tinham o jardim no quintal.
Meu tio Matos Brito, dono
então do sítio Guaramiranga, abrigava a sua enorme
família de 13 filhos num sobradão erguido no começo
da rua, junto ao próprio portão do sítio, cuja casa velha
não daria espaço para tanta
gente. Sem contar os hóspedes. Pois o prêmio mais cobiçado para a meninada e
adolescentes da família,
eram umas férias em Guaramiranga. Uma semana já
fascinava. Um mês, era raro
conquistar-se.
(...)
Guaramiranga cresceu, de
vila passou a cidade; não
perdeu os seus encantos, nem
a sua magia. Com a queda
do café, ficou nos alambiques ("Sou a cana jovial, do
café a doce irmã..." cantava
a deusa no drama) e vai se
mantendo com a exportação
de flores e frutas. Frutas incomparáveis que, além do
sabor e das cores vivas, têm
um cheiro delicioso, especial.
(...)
Creio que a serra, e especialmente Guaramiranga, continua a ser o resort privilegiado para os veranistas urbanos. Não deve ter crescido
muito, pois a sua riqueza
principal, o café, entrou em
decadência. Dizem que os
grandes sítios, são hoje propriedade de gente rica, que
os usa como local de repouso
e veraneio.
Mas a alma da serra, o cheiro da serra, a água da serra,
as crianças de faces cor de
maçã, tudo isso ainda deve
permanecer. Qualquer dia
vou lá, conferir."
Trecho de "Guaramiranga"
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|