São Paulo, sábado, 17 de outubro de 1998

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CRÍTICA
Diretor filma o silêncio

AMIR LABAKI
de Nova York

"O Silêncio" talvez seja o mais polêmico dos filmes do iraniano Mohsen Makhmalbaf, um velho conhecido do público da Mostra.
Não se trata, desta vez, de mera querela política, ainda que Makhmalbaf tenha tido que se transferir provisoriamente para o Tadjiquistão ex-soviético para rodar o filme. A censura iraniana amainou, mas continua poderosa.
O debate em torno de "O Silêncio" trata de seu pretenso esteticismo. No lançamento durante o Festival de Veneza, o cineasta foi acusado de se aproximar da estética publicitária da Benetton -e não se tratava de dúbio elogio.
A discussão procede. "O Silêncio" traz um Makhmalbaf distinto. Está lá a tradicional mistura entre documentarismo e ficção, com personagens e locações emprestando concretude a tênues tramas.
Mas mudou a estratégia narrativa. Mesmo em "Gabbeh" (1996), sobre a tecelagem de tapetes, o todo (a história) impunha-se sobre as partes (anedotas, planos de puro deslumbramento visual).
Dá-se o inverso em "O Silêncio". O aspecto fabulístico tem aqui importância ainda menor. O projeto de Makhmalbaf é de um ensaio semificcional sobre o cinema e o som, algo na linha do belo curta "O Som ou o Tratado da Harmonia" (1984), do brasileiro Arthur Omar.
A história apenas prepara o terreno para o exame das articulações entre imagem e som -na vida, assim como no cinema. Um menino cego trabalha afinando instrumentos para ajudar no sustento da mãe. Os rotineiros atrasos dele comprometem o emprego bem na hora errada: o proprietário quer de volta a casa em que vivem.
Cegueira e música serão as ferramentas fundamentais para a pesquisa de Makhmalbaf. Não ver aguça a audição. Ouvir o ritmo das notas mimetiza a poesia das cores. Cegueira não implica silêncio visual. Silêncio não equivale a cegueira auditiva.
Uma jovem dança sensualmente, para escândalo dos fundamentalistas. Toda uma cultura se afirma por meio de tintas fortes. Canções populares misturam-se com a "5ª Sinfonia", de Beethoven.
Makhmalbaf aposta na reeducação dos sentidos. Peca pelo excesso, apesar de o filme não durar mais que 76 minutos. Mas, reconheça-se, "O Silêncio" é de um colorido ensurdecedor.
²
Filme: O Silêncio Produção: Irã, 1998 Direção: Mohsen Makhmalbaf Quando: hoje, às 19h30, no Cinearte 1 (av. Paulista, 2.073, tel. 011/285-3696)


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