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CINEMA
Retrospectiva com 18 longas do diretor e dois documentários segue de hoje a domingo na Sala Cinemateca, em SP
Fassbinder espelha cicatrizes da Alemanha
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Quarenta e três filmes realizados ao longo de 16 anos de uma
vida que durou 37 anos já impressionariam apenas por critérios estatísticos. Porém, tal como o romance para Balzac, para Fassbinder o cinema foi o espelho em que
buscou expor as cicatrizes da sociedade alemã e, para isso, muito
nunca lhe parecia demais.
Nascido sob as cinzas do nazismo, em maio de 1945, Rainer
Werner Fassbinder cresceu com o
"milagre econômico" de Konrad
Adenauer (chanceler de 1949 a
1963), período durante o qual a
ênfase na economia de mercado
aliada a um anticomunismo feroz
foi a receita para apagar da memória a barbárie. E sua obra coincide com a ascensão ao poder dos
social-democratas, quando os
traumas encontravam um remédio suficiente no conforto do consumismo.
A maratona de hoje a domingo
na Sala Cinemateca traz 18 longas
do diretor alemão, que teria completado 60 anos em 2005, além de
dois documentários sobre seu trabalho, e permite ver em que medida a história não vive apenas do
passado, projetando suas sombras sobre o porvir.
Além de um arguto cronista de
seu tempo, Fassbinder foi, mais
ainda, um artista obcecado em revelar aos olhos de muitos os efeitos perversos de um modelo social calcado exclusivamente nas
forças do individualismo.
Suas histórias de amor, de traição, de paixão e de vingança são
de fato narrativas políticas, em
que as relações íntimas são acima
de tudo relações de poder, de submissão e de obediência. "Para
mim, o amor é o melhor, o mais
insidioso e o mais eficaz instrumento de opressão social", escreveu o diretor.
A tese começa a ser demonstrada no primeiro longa, com o sugestivo título de "O Amor É Mais
Frio que a Morte", e, nos filmes da
maratona, segue até "Precaução
Diante de uma Prostituta Santa",
mas essa fase ainda se ressente de
intenções demasiado teóricas.
Melodrama
É a partir de 1971, quando Fassbinder descobre os melodramas
flamejantes de Douglas Sirk (diretor alemão que consolidou o gênero em Hollywood em filmes como "Palavras ao Vento" e "Tudo
que o Céu Permite"), que as armadilhas dos sentimentos encontram uma forma mais bem acabada de expressão em sua obra.
No ciclo exibido a partir de hoje,
"As Lágrimas Amargas de Petra
von Kant" marca o início dessa fase, que já se abre em apogeu. Nessa espécie de filme de Sirk relido
por Brecht, a emoção teatralizada
de Petra e sua submissão à amante apontam o caminho para Fassbinder interpretar a junção do individual e do social.
"Eu Só Quero que Vocês me
Amem" e "Num Ano com Treze
Luas" insistem em mostrar, com
crueldade, que a ingenuidade tem
um preço caro a pagar numa sociedade movida pelo mecanismo
de compra e venda.
O sucesso internacional veio
com "O Casamento de Maria
Braun", retrato perfeito de uma
Alemanha que sobrevive às ruínas e se reconstrói à custa do comércio da alma e do corpo.
Já perto do fim de sua obra vem
"O Desespero de Veronika Voss",
em que os fantasmas pessoais se
tornaram indistintos dos da Alemanha e o resultado é um filme
expressionista aterrorizante.
(CÁSSIO STARLING CARLOS)
Maratona Rainer Werner Fassbinder - Parte 1
Quando: de hoje a domingo
Onde: Sala Cinemateca (lgo. Sen. Raul
Cardoso, 207, Vila Mariana, SP, tel. 0/xx/
11/5084-2177 r. 210)
Quanto: R$ 8
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