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Crítica/"Canta Maria"
"Cinema de mercado" engole filme nacional
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
"Canta Maria" é mais
um filme-fantasma, condenado a
uma visibilidade minúscula.
"Canta Maria" é mais um longa
brasileiro cheio de boas intenções tragado pelo buraco negro
do projeto do "cinema de mercado", ainda tão pobremente
formulado e executado por
aqui. "Canta Maria", enfim, gera uma pergunta, apenas: o que
é capaz de dar existência a um
filme realizado no Brasil hoje?
Como projeto, "Canta Maria" parece não responder a nenhuma das questões fundamentais que podem dar corpo a
uma obra, seja ela fruto de um
desejo autoral ou de uma proposta industrial, de mercado:
afinal, por quê ou para quem se
está fazendo este filme?
Ele parece ter sido o mero resultado de intuição e esforços
sinceros, mas equivocados, incapazes de transformar o tanto
de dinheiro e energia exigidos
por uma produção cinematográfica em uma obra autônoma, daquelas que ganham vida
quando são projetadas.
Francisco Ramalho Jr, veterano produtor que eventualmente se aventura pela direção,
enxergou no livro "Os Desvalidos", de Francisco Dantas, um
bom material dramático, com
suas histórias de amor e aventura vividas por heróis e heroínas no contexto do cangaço dos
anos 30. Tudo isso no espaço
mítico do sertão nordestino.
Basicamente, a história gira
em torno de Maria (Vanessa
Giácomo), uma mulher atrevida que paga um duro preço por
sua vontade de liberdade e pelo
fato de viver no fogo cruzado
entre os bandidos de Lampião
(José Wilker) e os soldados da
tropa especial que o persegue.
No tratamento desse material,
porém, não há sombra de autoralidade nem de artesanato.
Ainda temos poucos artesãos
capazes de orquestrar um filme
em sua complexidade, e "Canta
Maria" pode ser visto como um
desfile dessas deficiências típicas: um roteiro ainda não preparado para filmar, equívocos
de escalação de elenco (com exceções nas surpreendentes
atuações de Aloísio de Abreu e
Rodrigo Penna), fotografia que
alterna momentos cuidadosos
a outros de extrema pobreza,
montagem frouxa.
Talvez um dos melhores momentos para se entender o filme esteja em uma seqüência,
quando Lampião critica o trabalho do jovem artista do couro
Coriolano (Edward Boggiss).
Este retruca, dizendo que o
couro que lhe foi dado não era
bom. Quando o que está em jogo é o artesanato, é preciso uma
matéria-prima de qualidade e
um extremo cuidado do artesão, ou então o que se vai ter é
um produto mal-ajambrado,
um pouco como esse filme sem
rosto e com pouca alma.
CANTA MARIA
Direção: Francisco Ramalho Jr
Produção: Brasil, 2006
Com: Vanessa Giácomo, Marco Ricca, José Wilker, Edward Boggiss
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Arteplex e circuito
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