São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"Canta Maria"

"Cinema de mercado" engole filme nacional

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

"Canta Maria" é mais um filme-fantasma, condenado a uma visibilidade minúscula.
"Canta Maria" é mais um longa brasileiro cheio de boas intenções tragado pelo buraco negro do projeto do "cinema de mercado", ainda tão pobremente formulado e executado por aqui. "Canta Maria", enfim, gera uma pergunta, apenas: o que é capaz de dar existência a um filme realizado no Brasil hoje?
Como projeto, "Canta Maria" parece não responder a nenhuma das questões fundamentais que podem dar corpo a uma obra, seja ela fruto de um desejo autoral ou de uma proposta industrial, de mercado: afinal, por quê ou para quem se está fazendo este filme?
Ele parece ter sido o mero resultado de intuição e esforços sinceros, mas equivocados, incapazes de transformar o tanto de dinheiro e energia exigidos por uma produção cinematográfica em uma obra autônoma, daquelas que ganham vida quando são projetadas.
Francisco Ramalho Jr, veterano produtor que eventualmente se aventura pela direção, enxergou no livro "Os Desvalidos", de Francisco Dantas, um bom material dramático, com suas histórias de amor e aventura vividas por heróis e heroínas no contexto do cangaço dos anos 30. Tudo isso no espaço mítico do sertão nordestino.
Basicamente, a história gira em torno de Maria (Vanessa Giácomo), uma mulher atrevida que paga um duro preço por sua vontade de liberdade e pelo fato de viver no fogo cruzado entre os bandidos de Lampião (José Wilker) e os soldados da tropa especial que o persegue.
No tratamento desse material, porém, não há sombra de autoralidade nem de artesanato.
Ainda temos poucos artesãos capazes de orquestrar um filme em sua complexidade, e "Canta Maria" pode ser visto como um desfile dessas deficiências típicas: um roteiro ainda não preparado para filmar, equívocos de escalação de elenco (com exceções nas surpreendentes atuações de Aloísio de Abreu e Rodrigo Penna), fotografia que alterna momentos cuidadosos a outros de extrema pobreza, montagem frouxa.
Talvez um dos melhores momentos para se entender o filme esteja em uma seqüência, quando Lampião critica o trabalho do jovem artista do couro Coriolano (Edward Boggiss).
Este retruca, dizendo que o couro que lhe foi dado não era bom. Quando o que está em jogo é o artesanato, é preciso uma matéria-prima de qualidade e um extremo cuidado do artesão, ou então o que se vai ter é um produto mal-ajambrado, um pouco como esse filme sem rosto e com pouca alma.


CANTA MARIA  
Direção:
Francisco Ramalho Jr
Produção: Brasil, 2006
Com: Vanessa Giácomo, Marco Ricca, José Wilker, Edward Boggiss
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Arteplex e circuito


Texto Anterior: Thiago Ney: Um disco para te levar para casa
Próximo Texto: Cinema: Documentário observa ato de criar do surrealista Fernando Lemos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.