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CINEMA ESTRÉIAS
Joana d'Arc volta à tela grande, em versão 99
da Redação
Estréia hoje no Brasil a mais recente produção de Luc Besson
("Nikita", "O Profissional"). Pela
primeira vez, o diretor francês, 40,
volta suas câmeras para uma personagem que não saiu de sua cabeça, mas da história da França:
Joana d'Arc, a padroeira do país,
perseguida pela Inquisição e queimada na fogueira como herege
(leia texto abaixo).
Besson deu um jeito de não se
ater só à realidade histórica, ao
partir de uma abordagem mística
-tanto que o filme, que chega
hoje com o nome de "Joana d'Arc
de Luc Besson", chama-se originalmente "The Messenger: The
Story of Joan of Arc" (A Mensageira: a História de Joana d'Arc),
em alusão às mensagens divinas
que ela dizia ouvir e que a levaram
a lutar contra os ingleses.
Leia abaixo os principais trechos de entrevista de Besson ao
"Libération", em que fala da produção estrelada por sua ex-mulher, Milla Jovovich, e que conta
ainda com John Malkovich, Faye
Dunaway e Dustin Hoffman.
Pergunta - Por que "Joana
d'Arc"?
Luc Besson - A decisão de fazer
esse filme é consequência de um
fracasso, de uma raiva e de uma
intuição. O fracasso diz respeito a
outro projeto que não pude levar
adiante. A raiva foi o que senti em
relação a dois projetos hollywoodianos dedicados a Joana d'Arc.
Spielberg ensinou uma lição aos
cineastas europeus quando fez "A
Lista de Schindler". Ele nos disse:
"São esses os filmes que vocês deveriam fazer com sua própria história, em vez de perder seu tempo
com bobagens".
Fiquei furioso ao saber que diretores americanos, que costumam
massacrar os grandes temas europeus, estavam fazendo um filme
sobre Joana d'Arc. Queria que
fosse um filme francês.
Talvez eu não tivesse pensado
em fazê-lo se não intuísse há muito tempo que o papel era feito sob
medida para Milla Jovovich. Ela
se parece com Joana: as duas estão deslocadas em seus séculos,
são geniais, loucas, hipersensíveis, capazes de tudo.
Pergunta - Pela primeira vez, o
senhor aborda uma história já
existente, e não um roteiro saído de sua própria imaginação.
Como o senhor levou em conta
a realidade histórica?
Besson - Eu a utilizei em função
das necessidades da narrativa.
Com um personagem histórico,
busco a mesma coisa que com um
personagem inventado: a emoção. Os historiadores descrevem e
comentam fatos, mas não se interessam por sentimentos.
Para construir cada personagem, procurei os elementos que
pudessem fornecer as chaves de
seu comportamento, em termos
dramáticos. Por exemplo Carlos
7º, que em nenhum momento foi
preparado para ser rei. Ao mesmo
tempo que deseja esse status, que
por muito tempo acreditou estar
fora de seu alcance, ele tem medo.
Pergunta - Joana d'Arc tem
não apenas um passado histórico, mas também um passado cinematográfico. O senhor o levou em conta?
Besson - Ignorei os dois. Não
faço filmes fazendo referência a
outros filmes, mas apenas a minhas experiências reais. Tenho
horror do cinema que se nutre do
cinema. O fato de vários artistas
trabalharem sobre o mesmo tema
não tem problema; o que conta é a
perspectiva pessoal de cada um.
Pergunta - Como o senhor definiu a sua?
Besson - Bastaram três frases de
um dos primeiros livros que li sobre Joana. Foram o suficiente para que eu captasse o coração da
história que queria contar.
Trata-se do momento em que,
logo após a batalha diante de Orleans, Joana chora ao ver os cadáveres das vítimas. Ela é uma heroína que acaba de conquistar
uma vitória, ela exulta, mas ao
mesmo tempo duvida dela mesma e se pergunta se terá compreendido bem o que as vozes lhe
disseram.
Então comecei a imaginar a última parte do filme, com esse processo duplo: o inferior, diante de
seus juízes, e o superior, diante de
sua própria consciência.
Pergunta - O senhor optou por
mostrar as visões de Joana, levando o filme para o lado do
fantástico.
Besson - Ela descreveu suas visões durante seu julgamento. Um
filme sobre ela precisa mostrá-las.
Mas eu mostro apenas elementos
naturais, que ela interpretou de
maneira sobrenatural.
A história de Joana é uma história de sinais, de fé, diante de situações que não possuem nada de
extraordinário. O único elemento
acrescentado é a representação física da consciência de Joana.
Eu a mostrei como me pareceu
que ela podia representá-la para
ela mesma, quando criança, adolescente e depois jovem amadurecida por tudo que viveu. Mas a
consciência de Joana não passa de
invenção, enquanto tal. Para
mim, ela existe, é a soma de todas
suas dúvidas.
Pergunta - Esse filme é uma
produção muito grande. Como
conseguiu concretizá-lo?
Besson - O fato de ter tido sucessos anteriores me abriu a possibilidade de fazer propostas ambiciosas. Utilizo essa liberdade
para assumir riscos, e não para fazer "Nikita 2", ou 3, ou 4, como
muitas pessoas me sugeriram.
O filme custou caro, mas os financistas sabem que não atiro dinheiro pelas janelas. Não há luxo
nas minhas filmagens, e todo
mundo trabalha ao máximo.
Pergunta - Quando custou o
filme?
Besson - Foi orçado em 380 milhões de francos (aproximadamente R$ 108 milhões) e acabou
custando 390 milhões de francos
(R$ 110,8 milhões). Sempre há fatores logísticos e meteorológicos
imponderáveis, não é possível
prever tudo. Na verdade, é quase
um milagre que o custo tenha ultrapassado o orçamento em tão
pouco. Se o filme tivesse sido rodado por uma equipe americana,
eles ainda estariam filmando.
Pergunta - Como o senhor pôs
em andamento uma operação
tão enorme?
Besson - Começamos a preparar as filmagens antes mesmo de
estar pronto o roteiro, escrito com
Andrew Birkin. Reuni os responsáveis pelos diferentes departamentos (cenários, figurinos, iluminação, som etc.) para uma conversa de duas horas e lhes contei a
história do filme.
Uma fita gravada com esse relato foi entregue a cada um; era o
documento de trabalho a partir
do qual cada um começou a cuidar de sua parte.
Depois disso, no meio do enorme set, o mais difícil foi não perder de vista a continuidade emocional que deveria percorrer o filme do começo ao fim.
Pergunta - Por que o filme foi
feito em inglês?
Besson - Essa discussão não me
interessa. O filme saiu dublado
para cada país. Na França, é falado em francês. Quando se parte
de uma versão original em inglês
há menos dublagens a fazer, já
que o número de países anglófonos é maior. Foi só isso.
por Jean-Michel Frodon, do "Libération"
Tradução Clara Allain
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