São Paulo, Sexta-feira, 17 de Dezembro de 1999


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CINEMA ESTRÉIAS
Joana d'Arc volta à tela grande, em versão 99

da Redação

Estréia hoje no Brasil a mais recente produção de Luc Besson ("Nikita", "O Profissional"). Pela primeira vez, o diretor francês, 40, volta suas câmeras para uma personagem que não saiu de sua cabeça, mas da história da França: Joana d'Arc, a padroeira do país, perseguida pela Inquisição e queimada na fogueira como herege (leia texto abaixo).
Besson deu um jeito de não se ater só à realidade histórica, ao partir de uma abordagem mística -tanto que o filme, que chega hoje com o nome de "Joana d'Arc de Luc Besson", chama-se originalmente "The Messenger: The Story of Joan of Arc" (A Mensageira: a História de Joana d'Arc), em alusão às mensagens divinas que ela dizia ouvir e que a levaram a lutar contra os ingleses.
Leia abaixo os principais trechos de entrevista de Besson ao "Libération", em que fala da produção estrelada por sua ex-mulher, Milla Jovovich, e que conta ainda com John Malkovich, Faye Dunaway e Dustin Hoffman.

Pergunta - Por que "Joana d'Arc"?
Luc Besson -
A decisão de fazer esse filme é consequência de um fracasso, de uma raiva e de uma intuição. O fracasso diz respeito a outro projeto que não pude levar adiante. A raiva foi o que senti em relação a dois projetos hollywoodianos dedicados a Joana d'Arc.
Spielberg ensinou uma lição aos cineastas europeus quando fez "A Lista de Schindler". Ele nos disse: "São esses os filmes que vocês deveriam fazer com sua própria história, em vez de perder seu tempo com bobagens".
Fiquei furioso ao saber que diretores americanos, que costumam massacrar os grandes temas europeus, estavam fazendo um filme sobre Joana d'Arc. Queria que fosse um filme francês.
Talvez eu não tivesse pensado em fazê-lo se não intuísse há muito tempo que o papel era feito sob medida para Milla Jovovich. Ela se parece com Joana: as duas estão deslocadas em seus séculos, são geniais, loucas, hipersensíveis, capazes de tudo.

Pergunta - Pela primeira vez, o senhor aborda uma história já existente, e não um roteiro saído de sua própria imaginação. Como o senhor levou em conta a realidade histórica?
Besson -
Eu a utilizei em função das necessidades da narrativa. Com um personagem histórico, busco a mesma coisa que com um personagem inventado: a emoção. Os historiadores descrevem e comentam fatos, mas não se interessam por sentimentos.
Para construir cada personagem, procurei os elementos que pudessem fornecer as chaves de seu comportamento, em termos dramáticos. Por exemplo Carlos 7º, que em nenhum momento foi preparado para ser rei. Ao mesmo tempo que deseja esse status, que por muito tempo acreditou estar fora de seu alcance, ele tem medo.

Pergunta - Joana d'Arc tem não apenas um passado histórico, mas também um passado cinematográfico. O senhor o levou em conta?
Besson -
Ignorei os dois. Não faço filmes fazendo referência a outros filmes, mas apenas a minhas experiências reais. Tenho horror do cinema que se nutre do cinema. O fato de vários artistas trabalharem sobre o mesmo tema não tem problema; o que conta é a perspectiva pessoal de cada um.

Pergunta - Como o senhor definiu a sua?
Besson -
Bastaram três frases de um dos primeiros livros que li sobre Joana. Foram o suficiente para que eu captasse o coração da história que queria contar.
Trata-se do momento em que, logo após a batalha diante de Orleans, Joana chora ao ver os cadáveres das vítimas. Ela é uma heroína que acaba de conquistar uma vitória, ela exulta, mas ao mesmo tempo duvida dela mesma e se pergunta se terá compreendido bem o que as vozes lhe disseram.
Então comecei a imaginar a última parte do filme, com esse processo duplo: o inferior, diante de seus juízes, e o superior, diante de sua própria consciência.

Pergunta - O senhor optou por mostrar as visões de Joana, levando o filme para o lado do fantástico.
Besson -
Ela descreveu suas visões durante seu julgamento. Um filme sobre ela precisa mostrá-las. Mas eu mostro apenas elementos naturais, que ela interpretou de maneira sobrenatural.
A história de Joana é uma história de sinais, de fé, diante de situações que não possuem nada de extraordinário. O único elemento acrescentado é a representação física da consciência de Joana.
Eu a mostrei como me pareceu que ela podia representá-la para ela mesma, quando criança, adolescente e depois jovem amadurecida por tudo que viveu. Mas a consciência de Joana não passa de invenção, enquanto tal. Para mim, ela existe, é a soma de todas suas dúvidas.

Pergunta - Esse filme é uma produção muito grande. Como conseguiu concretizá-lo?
Besson -
O fato de ter tido sucessos anteriores me abriu a possibilidade de fazer propostas ambiciosas. Utilizo essa liberdade para assumir riscos, e não para fazer "Nikita 2", ou 3, ou 4, como muitas pessoas me sugeriram.
O filme custou caro, mas os financistas sabem que não atiro dinheiro pelas janelas. Não há luxo nas minhas filmagens, e todo mundo trabalha ao máximo.

Pergunta - Quando custou o filme?
Besson -
Foi orçado em 380 milhões de francos (aproximadamente R$ 108 milhões) e acabou custando 390 milhões de francos (R$ 110,8 milhões). Sempre há fatores logísticos e meteorológicos imponderáveis, não é possível prever tudo. Na verdade, é quase um milagre que o custo tenha ultrapassado o orçamento em tão pouco. Se o filme tivesse sido rodado por uma equipe americana, eles ainda estariam filmando.

Pergunta - Como o senhor pôs em andamento uma operação tão enorme?
Besson -
Começamos a preparar as filmagens antes mesmo de estar pronto o roteiro, escrito com Andrew Birkin. Reuni os responsáveis pelos diferentes departamentos (cenários, figurinos, iluminação, som etc.) para uma conversa de duas horas e lhes contei a história do filme.
Uma fita gravada com esse relato foi entregue a cada um; era o documento de trabalho a partir do qual cada um começou a cuidar de sua parte.
Depois disso, no meio do enorme set, o mais difícil foi não perder de vista a continuidade emocional que deveria percorrer o filme do começo ao fim.

Pergunta - Por que o filme foi feito em inglês?
Besson -
Essa discussão não me interessa. O filme saiu dublado para cada país. Na França, é falado em francês. Quando se parte de uma versão original em inglês há menos dublagens a fazer, já que o número de países anglófonos é maior. Foi só isso.


por Jean-Michel Frodon, do "Libération"

Tradução Clara Allain


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