MÁRVIO DOS ANJOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando um país realmente começa? Em que momento uma multidão se reconhece como uma nação, minimamente costurada? "Garrincha, Alegria do Povo", que o Canal Brasil exibe hoje, é um sincero esforço de entender por que isso aqui virou Brasil.
É provável que os únicos rituais folclóricos que se repetem em todo o país sejam as festas de Copa do Mundo. Quando, a cada quatro anos, os brasileiros vestem roupas amarelas e verdes, se reúnem em torno de um televisor e acompanham a recriação do "mito" da seleção brasileira.
O mito conta que 11 magos imbatíveis vingaram o dia em que uma tribo vizinha profanou o templo erigido aos deuses do futebol em 1950, no bairro do Maracanã. Estava inventado o Uruguai.
A história da vingança é mais descrita pelos milagres de Pelé, o messias negro, de corpo perfeito e talhado para o futebol. Mas, se havia imperfeição entre os 11, seu nome era Garrincha (1933-1983). Era subnutrido, torto das duas pernas, alcoólatra, gordinho e inculto. E mesmo assim, figura fundamental dessa lenda.
Que não se espere do filme de Joaquim Pedro de Andrade a opulência e a obsessão de "Pelé Eterno" (2004). Com raras intervenções do narrador, a fita se preocupa pouco com a biografia -foi feito em 1963, quando Garrincha viveu seu apogeu.
Prefere entender o fenômeno sociológico do futebol no Brasil a partir da figura de um ídolo da época. Pintado como um Carlitos no texto, Garrincha vira aquele arquétipo do brasileiro ingênuo, que se impõe pelo talento nato.
Há em "Alegria do Povo" essa intenção de elucidar o Brasil que a bola inventou, fazendo excluídos ascender, criando celebridades e elegendo políticos.
Independentemente das divagações, o filme faz jus a um dos brasileiros que deram a outros algo de que se orgulhar. Nos closes dos rostos que o vêem no Maracanã, há um povo com inúmeras necessidades. Com apenas um drible, Garrincha satisfazia a de sorrir.