São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 2000


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CRÍTICA
Adaptação se volta para mundo do simulacro

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

No tempo de Patricia Highsmith (1921-1995), as pessoas perguntavam-se "quem eu sou". Hoje, perguntam-se "com o que eu pareço". Esse pulo do ser ao parecer e da existência ao simulacro é assimilado com muita propriedade por Anthony Minghella em sua adaptação de "The Talented Mr. Ripley".
Desta vez, Ripley (Matt Damon) não é um homem perverso que planeja minuciosamente o assassinato do amigo rico e o despiste posterior. Trata-se, antes, de um bom rapaz envolvido em uma rede de equívocos fatais. Tudo começa quando, por engano, vai tocar piano na festa do milionário Herbert Greenleaf vestindo um paletó da universidade de Princeton emprestado por um amigo.
A primeira mentira (cursara Princeton) leva às outras: vai à Europa a fim de trazer de volta o suposto ex-colega Dickie Greenleaf (Jude Law). Aprende a se fazer passar por Dickie, a imitar sua letra etc.
Desta vez, o assassinato não é friamente planejado (como em "O Sol por Testemunha", de René Clement, baseado no mesmo livro); acontece mais por acidente, depois de Tom Ripley ser agredido, num barco, pelo amigo.
O talento de Ripley é para a farsa. Tem uma facilidade incomum não só para imitar pessoas, mas para ser outras pessoas que não ele mesmo.
Nesse sentido, não se pode negar pertinência à adaptação de Minghella (o roteiro é dele mesmo e concorre ao Oscar). Vivemos em um mundo de aparências, onde o essencial parece ser a capacidade de projetar uma imagem crível pelas outras pessoas.
Se não estamos diante de um grande filme, isso se dá, em primeiro lugar, porque Minghella parece enamorar-se de sua própria idéia, a ponto de transformar quase tudo o que acontece após o crime em uma sequência rocambolesca de acontecimentos implausíveis.
Essa implausibilidade é proporcional, no mais, à completa ausência de suspense, a mais surpreendente característica de "Ripley", embora aquela que mais vincula esse filme ao trabalho anterior de Minghella, "O Paciente Inglês". Ambos são filmes que parecem buscar apoio na suntuosidade de suas imagens, mas ressentem-se de uma estranha frieza, mais sensível em "Ripley".
Assistimos a tudo um tanto indiferentes. Não conseguimos amar nem odiar os personagens. Seus dramas soam distantes, existem na tela, mas não se transferem para o espectador. Os disfarces de Matt Damon são tantos que tendemos a não acompanhar com interesse o movimento de seu raciocínio (Minghella parece se importar pouco com sua inteligência, como se o personagem agisse mais movido por um destino que o força a ser falso do que por uma capacidade de cálculo incomum) nem a nos afligir com o destino do personagem.
Nessa medida, o filme se torna enfadonho à medida que se aproxima da metade e assim segue até o final.
Se no que é essencial "O Talentoso Ripley" anuncia pouca evolução em relação a "O Paciente Inglês", o filme não deixa de ser interessantíssimo em seus aspectos acessórios, a começar pela direção de arte.
Mas é a fotografia de John Seales o que mais chama a atenção. Não porque procure ostensivamente colocar-se acima do filme. Pelo contrário: Seales faz o possível para servi-lo. Com discrição, cria uma imagem que remete ao velho technicolor. Se a reconstituição de época aparece aos olhos do espectador como uma das virtudes principais deste filme, não resta dúvida de que deve muito à fotografia.


Avaliação:   

Filme: O Talentoso Ripley Direção: Anthony Minghella Produção: EUA, 99 Com: Matt Damon, Jude Law, Gwyneth Paltrow e Cate Blanchett Onde: a partir de hoje, nos cines Espaço Unibanco 1, Jardim Sul 5 e circuito

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