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CRÍTICA
Adaptação se volta para mundo do simulacro
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
No tempo de Patricia Highsmith (1921-1995), as pessoas perguntavam-se "quem eu sou". Hoje, perguntam-se "com o que eu
pareço". Esse pulo do ser ao parecer e da existência ao simulacro é
assimilado com muita propriedade por Anthony Minghella em sua
adaptação de "The Talented Mr.
Ripley".
Desta vez, Ripley (Matt Damon)
não é um homem perverso que
planeja minuciosamente o assassinato do amigo rico e o despiste
posterior. Trata-se, antes, de um
bom rapaz envolvido em uma rede de equívocos fatais. Tudo começa quando, por engano, vai tocar piano na festa do milionário
Herbert Greenleaf vestindo um
paletó da universidade de Princeton emprestado por um amigo.
A primeira mentira (cursara
Princeton) leva às outras: vai à
Europa a fim de trazer de volta o
suposto ex-colega Dickie Greenleaf (Jude Law). Aprende a se fazer passar por Dickie, a imitar sua
letra etc.
Desta vez, o assassinato não é
friamente planejado (como em
"O Sol por Testemunha", de René
Clement, baseado no mesmo livro); acontece mais por acidente,
depois de Tom Ripley ser agredido, num barco, pelo amigo.
O talento de Ripley é para a farsa. Tem uma facilidade incomum
não só para imitar pessoas, mas
para ser outras pessoas que não
ele mesmo.
Nesse sentido, não se pode negar pertinência à adaptação de
Minghella (o roteiro é dele mesmo e concorre ao Oscar). Vivemos em um mundo de aparências, onde o essencial parece ser a
capacidade de projetar uma imagem crível pelas outras pessoas.
Se não estamos diante de um
grande filme, isso se dá, em primeiro lugar, porque Minghella
parece enamorar-se de sua própria idéia, a ponto de transformar
quase tudo o que acontece após o
crime em uma sequência rocambolesca de acontecimentos implausíveis.
Essa implausibilidade é proporcional, no mais, à completa ausência de suspense, a mais surpreendente característica de "Ripley", embora aquela que mais
vincula esse filme ao trabalho anterior de Minghella, "O Paciente
Inglês". Ambos são filmes que parecem buscar apoio na suntuosidade de suas imagens, mas ressentem-se de uma estranha frieza,
mais sensível em "Ripley".
Assistimos a tudo um tanto indiferentes. Não conseguimos
amar nem odiar os personagens.
Seus dramas soam distantes, existem na tela, mas não se transferem para o espectador. Os disfarces de Matt Damon são tantos que
tendemos a não acompanhar
com interesse o movimento de
seu raciocínio (Minghella parece
se importar pouco com sua inteligência, como se o personagem
agisse mais movido por um destino que o força a ser falso do que
por uma capacidade de cálculo
incomum) nem a nos afligir com
o destino do personagem.
Nessa medida, o filme se torna
enfadonho à medida que se aproxima da metade e assim segue até
o final.
Se no que é essencial "O Talentoso Ripley" anuncia pouca evolução em relação a "O Paciente
Inglês", o filme não deixa de ser
interessantíssimo em seus aspectos acessórios, a começar pela direção de arte.
Mas é a fotografia de John Seales
o que mais chama a atenção. Não
porque procure ostensivamente
colocar-se acima do filme. Pelo
contrário: Seales faz o possível para servi-lo. Com discrição, cria
uma imagem que remete ao velho
technicolor. Se a reconstituição de
época aparece aos olhos do espectador como uma das virtudes
principais deste filme, não resta
dúvida de que deve muito à fotografia.
Avaliação:
Filme: O Talentoso Ripley
Direção: Anthony Minghella
Produção: EUA, 99
Com: Matt Damon, Jude Law, Gwyneth
Paltrow e Cate Blanchett
Onde: a partir de hoje, nos cines Espaço
Unibanco 1, Jardim Sul 5 e circuito
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