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São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

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CRÍTICA

Museu abafa experimentalismo do movimento Fluxus

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

O que é Fluxus? O material reunido no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, traça os contornos do movimento que pretendeu abolir os limites da arte há 40 anos.
George Maciunas iniciou o Fluxus em 1961. Permaneceu como figura central por duas décadas, embora o comunitarismo que defendia permitisse o ingresso e saída de membros. Sua morte, em 1978, marca o fim do grupo.
Fluxus foi um ideal ético. Juntou norte-americanos e europeus em torno de uma prática que dissolvesse a autoria individual em obras coletivas. Dissociava a criação artística da produção de tesouros preciosos: textos, apropriações e performances tornaram-se o carro-chefe.
A retrospectiva do CCBB apresenta as obras como peças de museu. Embora seja a alternativa correta para a divulgação do acervo exibido, transforma os testemunhos produzidos em relíquias antropológicas.
O caso dos jogos exemplifica os riscos expositivos. Os oito cubos transparentes exibindo diferentes conjuntos de peças, qual o "Baralho" (1966), de George Brecht, nos fazem imaginar como seria a manipulação lúdica, mas impedem todo contato físico efetivo.
O aspecto político do Fluxus convida ao distanciamento intelectual. A solicitação à leitura é constante, como em "EUA Ultrapassam Todos os Recordes de Genocídio" (1967-68), de Maciunas: uma bandeira americana estilizada registra percentuais comparativos da guerra do Vietnã com outros massacres históricos.
O viés construtivo de algumas obras adequa-se à contemplação vigiada dos museus. A reunião de objetos em caixas é solução recorrente, sejam biscoitos de plásticos na "Seleção de Comidas Falsas" (1965), de Claes Oldenburg, ou ovo, prego e anzol em "Seu Nome Soletrado em Objetos: John e Yoko" (1978), de Maciunas.
O lirismo encontra lugar vez por outra entre tantos conceitos. Numa caixa tosca de madeira sem tampa, vemos a caligrafia de Beuys traçar duas medidas e a palavra "Intuição" (1968).
Contudo, pouco percebemos da radicalidade de ações que pretendiam subverter os valores dominantes da estética modernista, tal como a "Pintura Vaginal" (1965), de Shigeko Kubota: apenas duas fotos registram a performance pictórica durante o Festival do Fluxus Perpétuo, em Nova York.
Tal experimentalismo é indissociável da crítica à Guerra Fria. O repúdio ao formato tradicional da arte foi uma estratégia internacional para questionar as instituições que zelavam pela qualidade da cultura ocidental. Fluxus acompanha uma série de movimentos que buscavam a liberdade por meio de novas formas plásticas, qual o Novo Realismo francês ou a Nova Objetividade brasileira. Como disse Maciunas, "esses concertos, publicações etc. são, na melhor das hipóteses, transicionais [poucos anos" e temporários, durando só até o momento em que as artes eruditas possam ser totalmente eliminadas".
A exibição do Fluxus num museu é, portanto, arriscada. O público encontrará testemunhos de uma estratégia de ação complexa, que envolvia a produção de objetos em meio a festivais, performances e vivências coletivas, cujos ecos são abafados por vidros, vitrines e seguranças.


O que é Fluxus? O que não é! O porquê.   
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (r. Primeiro de Março, 66, centro, tel. 0/xx/21/3808-2020)
Quando: Até 6 de abril
Quanto: entrada franca



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