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CRÍTICA
Museu abafa experimentalismo do movimento Fluxus
FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA
O que é Fluxus? O material
reunido no Centro Cultural
Banco do Brasil, no Rio, traça os
contornos do movimento que
pretendeu abolir os limites da arte
há 40 anos.
George Maciunas iniciou o Fluxus em 1961. Permaneceu como
figura central por duas décadas,
embora o comunitarismo que defendia permitisse o ingresso e saída de membros. Sua morte, em
1978, marca o fim do grupo.
Fluxus foi um ideal ético. Juntou
norte-americanos e europeus em
torno de uma prática que dissolvesse a autoria individual em
obras coletivas. Dissociava a criação artística da produção de tesouros preciosos: textos, apropriações e performances tornaram-se o carro-chefe.
A retrospectiva do CCBB apresenta as obras como peças de museu. Embora seja a alternativa
correta para a divulgação do acervo exibido, transforma os testemunhos produzidos em relíquias
antropológicas.
O caso dos jogos exemplifica os
riscos expositivos. Os oito cubos
transparentes exibindo diferentes
conjuntos de peças, qual o "Baralho" (1966), de George Brecht, nos
fazem imaginar como seria a manipulação lúdica, mas impedem
todo contato físico efetivo.
O aspecto político do Fluxus
convida ao distanciamento intelectual. A solicitação à leitura é
constante, como em "EUA Ultrapassam Todos os Recordes de Genocídio" (1967-68), de Maciunas:
uma bandeira americana estilizada registra percentuais comparativos da guerra do Vietnã com outros massacres históricos.
O viés construtivo de algumas
obras adequa-se à contemplação
vigiada dos museus. A reunião de
objetos em caixas é solução recorrente, sejam biscoitos de plásticos
na "Seleção de Comidas Falsas"
(1965), de Claes Oldenburg, ou
ovo, prego e anzol em "Seu Nome
Soletrado em Objetos: John e Yoko" (1978), de Maciunas.
O lirismo encontra lugar vez por
outra entre tantos conceitos. Numa caixa tosca de madeira sem
tampa, vemos a caligrafia de
Beuys traçar duas medidas e a palavra "Intuição" (1968).
Contudo, pouco percebemos da
radicalidade de ações que pretendiam subverter os valores dominantes da estética modernista, tal
como a "Pintura Vaginal" (1965),
de Shigeko Kubota: apenas duas
fotos registram a performance
pictórica durante o Festival do
Fluxus Perpétuo, em Nova York.
Tal experimentalismo é indissociável da crítica à Guerra Fria. O
repúdio ao formato tradicional da
arte foi uma estratégia internacional para questionar as instituições
que zelavam pela qualidade da
cultura ocidental. Fluxus acompanha uma série de movimentos
que buscavam a liberdade por
meio de novas formas plásticas,
qual o Novo Realismo francês ou
a Nova Objetividade brasileira.
Como disse Maciunas, "esses
concertos, publicações etc. são, na
melhor das hipóteses, transicionais [poucos anos" e temporários,
durando só até o momento em
que as artes eruditas possam ser
totalmente eliminadas".
A exibição do Fluxus num museu é, portanto, arriscada. O público encontrará testemunhos de
uma estratégia de ação complexa,
que envolvia a produção de objetos em meio a festivais, performances e vivências coletivas, cujos ecos são abafados por vidros,
vitrines e seguranças.
O que é Fluxus? O que não é! O
porquê.
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil
Rio de Janeiro (r. Primeiro de Março, 66,
centro, tel. 0/xx/21/3808-2020)
Quando: Até 6 de abril
Quanto: entrada franca
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