São Paulo, quarta, 18 de fevereiro de 1998

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Walter Alfaiate larga linha e agulha para "costurar' CD

Aos 67 anos, sambista que já foi gravado por Paulinho da Viola e Elza Soares entra em estúdio para gravar seu disco de estréia

Patrícia Santos/Folha Imagem
Walter Alfaiate, que grava "O Magnata Supremo da Elegância Moderna'


LUIZ ANTÔNIO RYFF
enviado especial ao Rio

O cartão de visitas informa: "o magnata supremo da elegância moderna". É assim que o cantor e compositor Walter Nunes -alfaiate desde os 13- é conhecido há mais de três décadas. Alfaiate resolveu incorporar a profissão ao nome artístico por sugestão de Paulinho da Viola e do jornalista Sérgio Cabral. "Eu mesmo escolhi minha profissão. Sempre gostei de costurar e bordar. Bordava melhor do que muitas meninas", afirma ele, sem traumas de empunhar linhas e agulhas. Afinal, poucas profissões têm tanto a ver com a imagem elegante de um sambista tradicional quanto a de alfaiate. Não por acaso, o título de "magnata supremo da elegância moderna" foi escolhido como nome de seu CD. Alfaiate já gravou algumas faixas antes, como sambas que fez para a São Clemente, escola de samba de Botafogo e uma das paixões do cantor -junto com a Portela e o bloco Foliões de Botafogo. Como qualquer sambista da antiga, seu instrumento é a caixinha de fósforo -embora também toque reco-reco, tamborim e tarol. E compõe de um jeito condizente. "Faço a música na cabeça, depois alguém escreve." Algumas de suas músicas já foram gravadas por gente como Paulinho da Viola ("A.M.O.R. Amor", "Cuidado, Teu Orgulho te Mata", "Coração Oprimido"), João Nogueira (""Bate-Boca") e Elza Soares ("Sorri de Mim"). Mesmo assim, só agora ele experimenta o sabor de gravar um álbum solo, após 50 anos de boemia. Antes, na década de 60, ele integrou grupos de samba como Os Autênticos -com o cantor Noca da Portela e o compositor Mauro Duarte, um de seus parceiros mais fiéis, que ele conheceu aos 17 anos -, quando ainda fazia vestibular de malandragem.
Sacode Carola
No mês passado, Alfaiate deixou agulha, linha e a máquina de costura de lado para fazer "O Magnata Supremo da Elegância Moderna".
A idéia do disco foi do compositor Aldir Blanc, que, no ano passado, tinha criado o selo Alma apenas para lançar um CD em comemoração dos seus 50 anos -com o sugestivo nome de "Aldir Blanc 50 Anos".
Animado com o selo, ele resolveu prorrogar sua existência para dar vez à voz de outros artistas.
Escolheu o sambista Walter Alfaiate, que no disco havia gravado "Mastruço e Catuaba" com Wilson Moreira, Nei Lopes e o próprio Aldir.
A produção de "O Magnata Supremo da Elegância Moderna" ficou a cargo de Rildo Hora -provavelmente o melhor produtor de discos de samba hoje em dia.
Há duas parcerias inéditas dignas de nota, feitas especialmente para o disco: uma de Aldir com Paulinho da Viola, "Botafogo, Chão de Estrelas" -que canta o bairro de nascimento de Alfaiate e Paulinho- , e outra de Alfaiate e Martinho da Vila, "Me Entrego Sem Querer".
Entre as 14 faixas do disco há também uma gravação de "Sacode Carola" (Helio Nascimento e Alfredo Marques), sucesso de Cyro Monteiro, uma das duas grandes influências de Alfaiate -o cantor Roberto Silva, ídolo de Paulinho, é a outra.
Alfaiate, aliás, é acompanhado no disco por nomes como os do pianista Cristóvão Bastos e do baterista Wilson das Neves.
Atualmente em fase de mixagem, o CD deve ser lançado em abril.
Vestindo a nata do samba
A expectativa do cantor e compositor é que o disco deslanche e ele possa abandonar linha e agulha. A profissão de alfaiate, aliás, não foi capaz de deixá-lo em uma situação economicamente confortável.
Alfaiate vive em uma kitchenette em Copacabana, que lhe serve de ateliê de costura -cerca de 20 metros quadrados-, onde trabalha com um ajudante.
Em um "mês bom", segundo ele, é possível faturar até RÏ 1.500. "Mas a situação está ruim. Ninguém está fazendo roupa", constata o compositor.
E Alfaiate, que já vestiu boa parte da nata do samba carioca (Paulinho da Viola, Wilson Moreira, Elton Medeiros, Monarco, Noca da Portela, Nélson Sargento...), não tem um mês bom desde outubro. De lá para cá, o compositor se limitou a fazer alguns reparos em roupas.
"Sonho que o disco seja bem aceito e que apareçam shows para eu fazer para eu tirar umas férias da costura", diz Alfaiate, que mantém a elegância da profissão e a altivez e o porte dos sambistas de sua linhagem.



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