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INTERNET / "O AMOR ESQUECE DE COMEÇAR" E "CAIU NA REDE"
Obras emulam linguagem da web
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Um fenômeno de dupla face,
relacionado à produção e recepção de textos pela internet,
vem afetando as esferas da criação
e da autoria no cenário das letras.
Faz algum tempo nossos novos
e nem tão novos autores resolveram investir nos blogs, onde colocam biografia, bibliografia, idéias
e textos. Alguns, a exemplo do
gaúcho Carpinejar, fazem a ponte
entre a via eletrônica e a impressa,
publicando livros com base nos
textos dos blogs, como "O Amor
Esquece de Começar". Carpinejar
chama suas pequenas criações em
prosa de "crônicas".
Até um passado bem recente as
crônicas estiveram intrinsecamente ligadas aos jornais e revistas em que saíam antes de serem
reunidas em livros.
Quanto aos planos da forma e
do conteúdo, as coisas são mais
complexas. A crônica sempre foi
palco bastante livre, em que cabem comentários sobre o dia, notas filosóficas, diálogos dramáticos, anedotas etc. Diante dessa
força centrífuga, os textos de Carpinejar de fato são crônicas.
Em consonância com a característica pessoal dos blogs que as
suscitaram, porém, essas crônicas
se afastam de sua origem histórica, desviando-se da reflexão sobre
o cotidiano. Andam num campo
mais rarefeito, deitando a opinião
do autor sobre tópicos universais
como o amor, o desejo, a solidão.
As frases se pautam por esse caráter de definição geral, às vezes
resvalando para a platitude: "Dar
um tempo é um tchau que não teve a convicção de um adeus", "solidão não é prejudicial à saúde".
Quando não se voltam para o
aconselhamento moral: "Não falem mal do ex ou da ex na frente
da criança". Os internautas parecem gostar desse tipo de abordagem, tanto que prestigiam não só
os blogs quanto as colunas em sites de relacionamentos, como a
da escritora Martha Medeiros.
Mas, como no reino difuso da
web nem tudo é o que parece ser,
Martha é vítima de ladrões de textos, que os surrupiam e os veiculam sob alcunha alheia, como
mostra "Caiu na Rede", de Cora
Rónai. Martha tem textos seus
atribuídos a Mario Quintana, Arnaldo Jabor e Luis Fernando Verissimo. O último parece ser o
campeão de textos difundidos
com seu nome. A lógica está em
imputar a um autor mais conhecido frutos de seara bem diversa.
Não há nada de novo na polêmica da autenticidade autoral. No
Renascimento, discípulos pintavam obras imitando o estilo do
mestre. O problema, hoje, está na
ignorância que, dentro da democracia desgovernada da rede
mundial, promove a confusão de
alhos com bugalhos, ou de comunitário com rebotalho.
O Amor Esquece de Começar
Autor: Carpinejar
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 35 (288 págs.)
Caiu na Rede
Autor: Cora Rónai
Editora: Agir
Quanto: R$ 24,90 (128 págs.)
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