São Paulo, sábado, 18 de março de 2006

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INTERNET / "O AMOR ESQUECE DE COMEÇAR" E "CAIU NA REDE"

Obras emulam linguagem da web

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Um fenômeno de dupla face, relacionado à produção e recepção de textos pela internet, vem afetando as esferas da criação e da autoria no cenário das letras.
Faz algum tempo nossos novos e nem tão novos autores resolveram investir nos blogs, onde colocam biografia, bibliografia, idéias e textos. Alguns, a exemplo do gaúcho Carpinejar, fazem a ponte entre a via eletrônica e a impressa, publicando livros com base nos textos dos blogs, como "O Amor Esquece de Começar". Carpinejar chama suas pequenas criações em prosa de "crônicas".
Até um passado bem recente as crônicas estiveram intrinsecamente ligadas aos jornais e revistas em que saíam antes de serem reunidas em livros.
Quanto aos planos da forma e do conteúdo, as coisas são mais complexas. A crônica sempre foi palco bastante livre, em que cabem comentários sobre o dia, notas filosóficas, diálogos dramáticos, anedotas etc. Diante dessa força centrífuga, os textos de Carpinejar de fato são crônicas.
Em consonância com a característica pessoal dos blogs que as suscitaram, porém, essas crônicas se afastam de sua origem histórica, desviando-se da reflexão sobre o cotidiano. Andam num campo mais rarefeito, deitando a opinião do autor sobre tópicos universais como o amor, o desejo, a solidão.
As frases se pautam por esse caráter de definição geral, às vezes resvalando para a platitude: "Dar um tempo é um tchau que não teve a convicção de um adeus", "solidão não é prejudicial à saúde". Quando não se voltam para o aconselhamento moral: "Não falem mal do ex ou da ex na frente da criança". Os internautas parecem gostar desse tipo de abordagem, tanto que prestigiam não só os blogs quanto as colunas em sites de relacionamentos, como a da escritora Martha Medeiros.
Mas, como no reino difuso da web nem tudo é o que parece ser, Martha é vítima de ladrões de textos, que os surrupiam e os veiculam sob alcunha alheia, como mostra "Caiu na Rede", de Cora Rónai. Martha tem textos seus atribuídos a Mario Quintana, Arnaldo Jabor e Luis Fernando Verissimo. O último parece ser o campeão de textos difundidos com seu nome. A lógica está em imputar a um autor mais conhecido frutos de seara bem diversa.
Não há nada de novo na polêmica da autenticidade autoral. No Renascimento, discípulos pintavam obras imitando o estilo do mestre. O problema, hoje, está na ignorância que, dentro da democracia desgovernada da rede mundial, promove a confusão de alhos com bugalhos, ou de comunitário com rebotalho.


O Amor Esquece de Começar
  
Autor: Carpinejar
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 35 (288 págs.)

Caiu na Rede
  
Autor: Cora Rónai
Editora: Agir
Quanto: R$ 24,90 (128 págs.)


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